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No presente trabalho pretende-se identificar a natureza e, essencialmente, o porquê da existência de tribunais que funcionam à margem dos tribunais judiciais criados ad hoc.
Tomamos como ponto de partida o facto de a justiça, enquanto domínio público, não pertencer somente ao Estado, mas a todos os cidadãos portugueses. E, é neste contexto que a solução de litígios pode, sem qualquer incumprimento de processo judicial, passar por uma escolha dos próprios particulares, partes litigantes, de atribuição de legitimidade para decidir desses mesmos litígios, a tribunais sem natureza permanente constituídos ad hoc através de um acordo ou convenção (de arbitragem), o que é uma solução institucional, ao invés de processual comum.
Não se caia no erro, contudo, de dizer que estes tribunais não são verdadeiros tribunais pois não exercem a função judicial, pois tal não se afigura verdadeiro. Os tribunais arbitrais são tribunais criados especialmente para dirimirem litígios em que as partes tomam, por iniciativa própria, a decisão de os determinar como legítimos para o efeito. São verdadeiros órgãos da justiça administrativa, tanto a nível funcional e material, como orgânico, afirmando a Jurisprudência portuguesa nesse sentido. Não esquecendo, ainda, que as suas decisões têm força de caso julgado.
É nesta medida, que a legitimidade dos tribunais arbitrais se justifica pelo mero acordo ou expressão de vontade nesse sentido, confirmada por meio de uma convenção, por parte dos litigantes. Desta circunstância decorre ainda o facto de poder dizer-se que os tribunais arbitrais não são verdadeiros órgãos de soberania, mas sim soluções institucionais, uma vez que essa atribuição é exclusiva do Estado, verificando-se um exercício da função judicial mas a um nível particular, nomeadamente, pelos próprios cidadãos.
Por outro lado, os tribunais arbitrais estão previstos na nossa lei uma vez que constituem uma forma de acesso facilitado à justiça, bem como mais económica, sendo esta ultima a verdadeira grande vantagem do ponto de vista da atividade privada.
Quanto à tutela constitucional destes tribunais, é no artigo 209°/2 da Constituição da República Portuguesa (CRP) que temos uma viabilização objetiva destas instituições judiciais mas, é ainda numa outra disposição que os tribunais arbitrais assumem um contorno elevado enquanto figura judicial, nomeadamente, enquanto corolário do direito de acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva, tal como estipula o artigo 20°/1, densificado e concretizado ainda pelo art. 268°/4 da CRP. Assim sendo, este direito fundamental goza da tutela constitucional reservada à proteção de direitos, liberdades e garantias e outros direitos de natureza análoga.
Embora seja um verdadeiro direito de acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva que não termina o seu propósito na tutela judicial, como nos tribunais comuns, é ainda de mencionar que é necessária uma intervenção do Estado a nível legislativo de forma a concretizar e dar eficácia a estes tribunais. Quer isto dizer que, do ponto de vista estadual, os tribunais arbitrais são um direito, acima de todo fundamental, mas também um verdadeiro dever de estruturação e organização dos serviços cuja função é o exercício daquela mesma tutela, com um regime jurídico próprio e acessível aos cidadãos, bem como meios de atuação adequados a esse mesmo fim. Assim, este dever do Estado é uma densificação e concretização daquele direito fundamental.
Embora já admissível na nossa ordem jurídica interna com abrangência no que toca à sua atuação e acesso, a possibilidade de recurso aos tribunais arbitrais neste quadro só se afirmou com o art. 180° do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA):
Artigo 180.º Tribunal arbitral
“1 - Sem prejuízo do disposto em lei especial, pode ser constituído tribunal arbitral para o julgamento de:
a) Questões respeitantes a contratos, incluindo a apreciação de atos administrativos relativos à respetiva execução;
b) Questões de responsabilidade civil extracontratual, incluindo a efetivação do direito de regresso;
c) Questões relativas a atos administrativos que possam ser revogados sem fundamento na sua invalidade, nos termos da lei substantiva.
2 - Excecionam-se do disposto no número anterior os casos em que existam contrainteressados, salvo se estes aceitarem o compromisso arbitral.”
O acordo arbitral entre litigantes pode ter por objeto um litígio já existente, a que se dá o nome de “compromisso arbitral” ou, por outro lado, um litígio que possa emergir, in futurum, e com grande probabilidade, caso em que se chama “cláusula compromissória”.
É mediante este acordo que as partes podem atribuir legitimidade aos poderes de decisão ao tribunal, podendo mesmo chegar-se a uma situação de decisão por meio de cálculos de equidade, pois as partes assim acordaram. Se, pelo contrario, não se chegar a tal concordância, deve o tribunal aplicar o direito ordinário, tal como um tribunal judicial comum.
Não esqueçamos, no entanto, que embora tenha de haver acordo das partes para haver arbitragem, esta tem natureza jurisdicional e não contratual. Este mútuo acordo funciona apena e só como um requisito para o acesso dos cidadãos a esta solução institucional.
Quanto aos litígios resolvidos pelos tribunais arbitrais devemos distingui-los da resolução de conflitos através de instituições que não são verdadeiros tribunais. Ora, a este propósito vem o art. 202°/4 da CRP permitir a criação destas instituições uma vez que a lei ordinária permite institucionalizar instrumentos de decisão de conflitos, sendo estes, claro está, não jurisdicionais e, por conseguinte, não se enquadram na ordem administrativa e respetiva jurisdição em sentido material bem como as entidades que exercem a sua atividade de litigação dos conflitos também se excluem da justiça administrativa em sentido orgânico.
Assim, estamos perante um mecanismo de conciliação, mediação e transação, e não de um meio alternativo de justiça. Quanto à transação é ainda de referir que o litígio é conformado pelas partes através de um contrato que pode ter natureza administrativa bem como pode ser usado para escolher um procedimento. A lei permite, então, que os conflitos relacionados com determinadas matérias de direito administrativo sejam compostos através destes meios não jurisdicionais. Também fica de fora da justiça administrativa pelas mesmas razões a composição de conflitos atribuída por lei a certas Autoridades Administrativas Independentes (AAI). Daqui decorre que, os poderes de conciliação, mediação ou consulta no âmbito de procedimentos de impugnação administrativa de que podem dispor, por força do n.º 3 do art. 187° CPTA, os centros de arbitragem, não são jurisdicionais.
A este propósito é ainda de mencionar centros de arbitragem permanente previstos no art. 187 do CPTA e instituições similares previstas na Lei da Arbitragem Voluntária (LAV), que dispõem de poderes de natureza jurisdicional e de poderes de conciliação, mediação e consulta sem natureza jurisdicional, como mencionado supra. São estes centros verdadeiras instituições arbitrais e integram a justiça administrativa, devendo ser autorizados por lei especial, segundo o n.º 1 do art. 187° CPTA, e podendo abranger um amplo conjunto de matérias, para além dos tradicionais contratos e responsabilidade civil da Administração, quais sejam o funcionalismo público, os sistemas de proteção social e o urbanismo.
Resta-nos, assim, perceber de forma é que o Estado, nomeadamente, as entidades publicas se vincula à jurisdição dos tribunais arbitrais, bem como evidenciar os seus contornos de atuação dentro do Direito Administrativo.
Pelo que ao Governo diz respeito, a vinculação depende de portaria, nos moldes previstos pelo n.º 2 do art. 187° CPTA. A referida portaria dá aos interessados o poder de se dirigirem a esses centros para a resolução dos litígios em causa. A emanação da referida portaria, por um lado, e a aceitação voluntária da jurisdição pelos particulares, pelo outro lado, configuram o acordo indispensável à arbitragem. É por isso que, uma vez a portaria adotada, os particulares têm, como se viu, o direito de se dirigirem àqueles centros exigindo a arbitragem. Mas não estamos perante qualquer forma de arbitragem necessária.
Após a expressa previsão constitucional da arbitragem com a revisão de 1982, a Lei da Arbitragem Voluntária - LAV), prevê em termos muito restritos a arbitragem no que toca ao Estado e a outras pessoas coletivas públicas. O n.º 4 do seu art. 1° apenas admite a arbitragem havendo autorização por lei especial ou se estiverem em causa relações de direito privado. Coloca-se assim a questão da respetiva compatibilidade com o ETAF em vigor na altura, pois este admitia em termos mais abrangentes a arbitragem nas relações jurídicas de direito administrativo, desde logo quanto aos contratos administrativos e à responsabilidade civil extra-contratual da Administração. A doutrina resolvia a questão entendendo que a norma abrangente do n.º 2 do art. 2° do ETAF não ficava prejudicada pelos termos mais restritivos do referido n.º 4 do art. 1° da LAV, 6 pois aquela é uma lei especial relativamente à LAV, prevalecendo sobre ela. Mas observava-se sempre, como ainda hoje se faz, a exigência de lei especial para a arbitragem fora das relações jurídico-privadas, entendendo-se por aquela norma, lei da Assembleia da República (AR) ou decreto-lei autorizado do Governo. Nos nossos dias, o novo Código dos Contratos Públicos (CCP) serve de lei especial quanto à arbitragem nos contratos administrativos. Não há uma referência geral à arbitragem mas est também não é necessária uma vez que, tratando-se de um problema de direito processual, a sua solução não tinha de estar expressa num código de direito substantivo como é o CCP.
Ainda assim, temos disposições indiretas no CCP quanto ao regime dos tribunais arbitrais relativamente a contratos administrativos, nomeadamente o quanto a modificações objetivas do contrato e à sua extinção, e ainda quanto ao prazo de execução de trabalhos a mais. Não podemos, no entanto, dizer que o CCP prevê sempre e em qualquer caso a arbitragem, pois tal não seria verdade. Excluem-se os contratos com objeto passível de ato administrativo e demais contratos sobre o exercício de poderes públicos que por efeito de sentença arbitral se possa modificar o conteúdo dos contratos a ponto de precludir o exercício da margem de livre decisão no exercício dos poderes de modificação objetiva do contrato, temos assim, uma forma de a arbitragem não prejudicar o exercício da competência discricionária da Administração.
Fora dos contratos administrativos, não há hoje motivo para hesitar na ampla admissibilidade da arbitragem, sendo perfeitamente certo que o CPTA, também ele lei especial nesta matéria, prevê expressamente a arbitragem no domínio a que dantes se chamava “Contencioso Administrativo por Natureza”. Note-se, aliás, que aquele termo é hoje muito infeliz e até incorreto, tendo em conta o alcance e a natureza da ação administrativa comum à luz do novo CPTA, muito embora o tema não possa ser aqui tratado sendo de extensa e aprofundada índole .
O desaparecimento do referido art. 188° do CPA favoreceu também a concentração do regime jurídico da arbitragem administrativa no sítio onde deve estar, ou seja, no CPTA. Fica assim muito claro que nada impede a arbitragem no contencioso dos atos administrativos desde que prevista por lei especial e que qualquer habilitação desta resultante não é prejudicada pelos termos mais restritivos da LAV. No domínio do contencioso administrativo, regista-se, então, nos termos do CPTA, a jurisdição arbitral em termos muito mais amplos do que outrora, restrita como estava ao chamado contencioso por atribuição ou por vontade do legislador e que limitava os tribunais arbitrais ao conhecimento das questões relacionadas com os contratos administrativos e com a responsabilidade civil extra-contratual por atos de gestão pública, deles excluindo o contencioso por natureza ou seja, o relacionado com a validade dos atos administrativos e dos regulamentos. Temos, portanto uma nova abrangência, em que os tribunais arbitrais no contencioso administrativo estendem-no até ao referido contencioso por natureza, caracterizado pela indisponibilidade dos direitos em causa. Com efeito, nos termos inovatórios da alínea a) do n.º 1 do art. 180° do CPTA, é, por um lado, admissível a constituição de tribunais arbitrais para a apreciação de atos administrativos relativos à execução de contratos e, por outro lado, nos termos da alínea c), pode ser constituído tribunal arbitral para o julgamento de questões relativas a atos administrativos que possam ser revogados sem fundamento na sua invalidade, para além dos casos, claro está, em que estejam em causa direitos disponíveis, quais sejam as questões relativas a contratos e à responsabilidade civil extra-contratual, como era já adquirido.
No entanto, encontramos ainda alguns entraves, nomeadamente, no primeiro caso, não se admite a constituição de tribunais arbitrais para o contencioso de certos atos administrativos produzidos no âmbito da relação contratual, os chamados atos destacáveis do procedimento pré-contratual. No segundo caso, admite-se a mais a constituição de tribunais arbitrais no âmbito de atos administrativos em geral, mas com claros limites.
Com efeito, se o ato é válido só pode ser revogado se não for constitutivo de direitos, como é sabido. Ora, não sendo constitutivo é porque será normalmente desfavorável ao particular. Admitir a arbitrariedade da revogação de um ato desfavorável ao particular só o favorece. Nada parece assim impedir a arbitragem do contencioso da validade de atos administrativos válidos não constitutivos de direitos na medida em que, sendo revogáveis por razões de mérito, são disponíveis para a Administração. Da leitura da norma não pode resultar sem mais que a arbitrariedade do contencioso do ato é possível sempre que este foi praticado no exercício de poderes discricionários. Isto seria dar aos tribunais arbitrais carta branca para fazer aquilo que os tribunais administrativos não podem fazer.
Bibliografia :
- A arbitragem no direito administrativo; Uma justiça alternativa, LUÍS CABRAL DE MONCADA
- Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2.ª ed. revista, Coimbra, 2007, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e C. A. FERNANDES CADILHA
Realizado por:
Catarina Cunha, n°20762
O valor dos pedidos de indemnização exigidos pelo Estado em processos contra terceiros que estavam a correr em nove tribunais administrativos no final do ano passado mais do que quadriplicou face a 2011. Em 31 de Dezembro de 2012 estavam pendentes nas instâncias judiciais que ficam na área de intervenção do Tribunal Central Administrativo (TCA) do Sul acções interpostas pelo Estado no valor de 22,1 milhões de euros.
Este número, que consta do relatório-síntese relativo à actividade do Ministério Público (MP) em 2012, divulgado pela Procuradoria-Geral da República este mês, é quatro vezes e meio maior do que os 4,8 milhões de euros contabilizados um ano antes. Nos restantes sete tribunais administrativos o valor das pedidos de indemnização feitos pelo Estado contra terceiros é substancialmente inferior (580 mil euros).
Esta foi a primeira vez que foram divulgados dados sobre o contencioso do Estado na área de intervenção do TCA do Norte, não sendo possível perceber a evolução face a 2011. No total destas acções o Estado reivindica 22,7 milhões de euros a terceiros, particulares e empresas, um valor substancialmente inferior aos quase 1,5 mil milhões de euros pedidos em acções de indemnização contra o Estado.
Contudo, a tedência neste campo é a inversa da que ocorreu nos processos intentados pelo Estado. Em final de 2011 só na área do TCA do Sul estavam pendentes acções a exigir quase 1,8 mil milhões de euros ao Estado, um número que diminuiu para 1,375 mil milhões um ano mais tarde. Já no TCA Norte, que divulgou estes dados pela primeira vez, corriam em 31 de Dezembro de 2012 acções contra o Estado no valor de 113,6 milhões de euros.
Não é de esperar, no entanto, que os 1,5 mil milhões de euros de indemnizações pedidas ao Estado nos 16 tribunais administrativos existentes no país, resultem em condenações em montante semelhante. Isso mesmo mostra a taxa de sucesso do MP na defesa dos interesses patrimoniais do Estado. Nos nove tribunais da área do TCA do Sul o ano passado 120 casos tiveram decisão definitiva, tendo sido improcedentes 89% dos processos contra o Estado.
Só em 13 acções o Estado foi condenado a pagar indemnizações, num total de 208 mil euros, que correspondem a uns inexpressivos 0,042% dos 491,8 milhões reivindicados. Na área do TCA do Norte, a taxa de sucesso é um pouco mais baixa, tendo o Estado sido condenado a pagar 1,6 milhões de euros em 16 das 51 decisões definitivas.
Os motivos que servem de base aos processos intentados contra o Estado são diversos, mas os pedidos de indemnização têm sempre na base actos ou omissões da administração pública. Exemplo disso é o cancelamento de um concurso, uma expropriação irregular ou o erro de um magistrado num processo judicial. Entre estes casos estão pedidos de indemnização de alguns clientes do Banco Privado Português que recorreram aos chamados "produtos de retorno garantido" e querem agora uma indemnização do Estado por, alegadamente, este não ter cumprido o seu papel de fiscalizador.
Parte das acções dizem respeito a pedidos de indemnização civil, que têm vindo a aumentar desde que em Dezembro de 2007 foram introduzidas alterações relevantes no domínio do regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado.
Uma juíza do TCA do Sul explica ao PÚBLICO que as acções de responsabilidade civil contra o Estado representam “uma pequena parte” do total de processos entrados nos tribunais administrativos. Neste tipo de acção, as mais comuns, continua, são as por atrasos na justiça, as decorrentes de erro ou negligência médica e as por acidente de viação, causado por falta de manutenção das vias públicas. Há ainda um conjunto de situações residuais, por danos contra o ambiente e pela prática de decisões ilícitas como a recusa de atribuição de um subsídio de desemprego.
Nos últimos anos, têm-se acentuado o número de processos de responsabilidade civil contra o Estado por violação do direito à decisão judicial em prazo razoável. “Começou a ser mais visível para os cidadãos que têm o direito à justiça em prazo razoável, em parte também por que o Estado português tem vindo a ser condenado no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, por essa mesma circunstância”, avalia a magistrada.
Quanto ao aumento do valor das acções intentadas pelo Estado, a juíza acredita que
existe “um contexto mais propício a que o Estado reclame quantias que considere que lhe sejam devidas”. A desembargadora realça ainda uma nova tendência registada nos tribunais administrativos, face à actual situação do país, onde se tem assistido a uma forte intervenção do Estado nos direitos dos cidadãos.
“Nos últimos dois a três anos tem aumentado a litigiosidade relacionada com os servidores públicos, sejam contratados em exercício de funções públicas, sejam todos os demais, a qual é relacionada com medidas restritivas de direitos - aumento do horário de trabalho, eliminação de feriados, cortes nos salários, eliminação ou redução dos suplementos remuneratórios – que na sua grande maioria se prendem com a impugnação dessas decisões”, refere a juíza.
João Pavão Serra 19681
O presente trabalho tem como objetivo averiguar a possibilidade de haver um controlo jurisdicional do poder executivo da administração pública diante de uma competência discricionária que, por vezes, lhe é concedida.
Neste âmbito temos as formulações constitucionais cujo valor na ordem jurídica portuguesa é da maior importância e têm como função colocar em andamento os objetivos do Estado Democrático. Sendo que, o poder judiciário é, em última análise, quem tem competência constitucionalmente concedida para interpretar a lei fundamental, leia-se Constituição da República Portuguesa, e não há como interpretar tal função como uma interferência no Princípio da Separação de Poderes, ou na discricionariedade administrativa, uma vez que não cabe ao poder executivo, em princípio, avaliar a constitucionalidade das políticas públicas. A discricionariedade administrativa encontra, no entanto, o seu limite no dever do cumprimento das atribuições do Estado Democrático, e em tudo o que isso implica.
A pergunta permanece: qual a fronteira entre cumprimento do Principio da Legalidade e as funções administrativas concedidas pela Constituição, sem violar o Princípio da Separação de Poderes?
A discricionariedade é, de forma muito simples, a reserva da administração, um campo da autonomia pública atribuído ao poder administrativo por lei. Como sabemos, o campo de atuação da Administração Pública passa pela realização, entre outras, da função administrativa e esta, por sua vez, passa pelo exercício de poderes que terão, nalguns casos, o seu alcance definido por lei, noutros, também o seu alcance se encontra definido por lei mas de acordo com a margem de atribuição de autonomia concedida por aquela. Assim, podemos daqui retirar que a discricionariedade pública concedida está intimamente ligada à função legislativa, uma vez que o seu campo de atuação é adquirido por via do seu exercício.
A discricionariedade administrativa tem uma grande importância quando se tem como consensual a atuação discricionária enquanto característica da margem de livre apreciação na criação de efeitos administrativos[i]. Assim, através da forma típica de atuação da Administração, temos a emissão de atos administrativos com uma alargada dimensão do âmbito da autonomia administrativa correspondente ao conteúdo de uma parte da margem de livre decisão.
O conceito de discricionariedade administrativa aparece-nos hoje como uma das formas de exercício da margem de livre decisão, quer isto dizer que, a discricionariedade é vista como uma discricionariedade pura, e não imprópria. Alguns autores, como os Professores Freitas do Amaral e Marcello Caetano, pretendem relacionar a discricionariedade com o facto de a atuação administrativa passar pela concessão de liberdade de exercício concedida ao titular do poder administrativo. Ora, nestes casos, a lei ao regular a atuação pública , torna o poder administrativo vinculado quanto à competência para o seu exercício e para o fim a que se propôs. Pesa embora, aquele poder torna-se discricionário na medida exata em que o seu exercício fica subjacente ao critério do respetivos titular, concedendo-lhe liberdade de escolha do procedimento a adotar para o caso concreto, tendo em conta o interesse protegido pela norma que o confere.
Podemos, então, concluir que não existem atos absolutamente vinculados ou atos absolutamente discricionários. Os atos administrativos serão sempre o resultado de uma combinação de elementos vinculados e discricionários. Sendo da maior importância averiguar, relativamente a cada ato administrativo, até onde vai a sua discricionariedade e vinculação, de forma a que os limites delineados sejam claros, uma vez que, como como já se explicou, não é possível encontrar condutas administrativas puramente discricionárias.
Temos no nosso ordenamento jurídico três tipos de atuação administrativa:
Limites legais – como o próprio nome indica, são limites provenientes da própria lei, ou seja, as determinações legais que vinculam a atuação administrativa. Por exemplo, a sujeição da decisão administrativa ao interesse público visado pela norma jurídica que concede discricionariedade à administração pública, havendo assim uma vinculação ao fim da própria norma.
Auto vinculação administrativa – trata-se de uma possibilidade concedida à Administração de criação de regras “internas” que ela própria elabora e às quais se obriga a respeitar no momento de emissão da decisão administrativa. Por exemplo, a emissão de um parecer de uma Direção Geral sobre determinada atuação administrativa, a vigorar no futuro, em todas as situações semelhantes. Temos uma auto vinculação de forma a haver uma harmonização das soluções idênticas.
Limites externos – relacionam-se com aqueles que não dizem respeito diretamente ao exercício do poder discricionário, impondo-se à autoridade administrativa sem que esta os possa revogar, modificar ou derrogar. Dentro destes limites temos a lei, enquanto campo de reserva do legislador; a Constituição; os Tratados Internacionais e os Princípios gerais de Direito.
Assim, a sindicabilidade do poder discricionário esta intrinsecamente relacionado com a ligação entre o poder administrativo e o poder judicial, nomeadamente, no que toca ao controlo que os tribunais detêm sobre a administração pública. Temos pois, no âmbito do presente trabalho, que aferir em que ponto se poderá atentar à inexistência de controlo judicial das decisões de mérito e de oportunidade da Administração. Ora, com base no que já foi dito, podemos facilmente deduzir que haverá maior ou menor grau de discricionariedade consoante os aspetos vinculados que tenham sido impostos à Administração Pública na tomada de decisões e prática tica de atos administrativos. Assim, há uma maior sindicabilidade do poder judicial sobre a atuação discricionária da administração, em função do grau de vinculação do ato administrativo em prática. Em qualquer caso, é ainda de ressalvar que, seja a vinculação do ato maior ou menor, o controlo judicial está sempre presente aquando da prática de atos discricionários, na medida em que o Principio da Legalidade tem uma projeção de tal dimensão que impede a situação inversa, leia-se, a não sindicabilidade do ato administrativo só por se tratar de um ato vinculado.
De forma a se perceber melhor quais os atos praticados pela administração pública, no exercício dos seus poderes discricionários, e alvo de sindicabilidade por parte dos tribunais portugueses, temos de analisar quais os vícios relacionados com esses mesmos atos e que são, normalmente, apreciados pelo Tribunal. Sendo estes:
Incompetência
Desvio de poder
Vicio de forma
Erro de facto
Erro manifesto de apreciação
Violação de lei por desrespeito a princípios gerais de direito
Estes são os vícios tradicionalmente apontados pela Doutrina Portuguesa como vícios do ato discricionário apreciados pelos tribunais administrativos. Cumpre, então, ver em que se baseia a discricionariedade face ao poder judicial, ou melhor dizendo, qual é o seu fundamento face à atuação dos tribunais, fora destes casos, acima referidos. O que é que legitima a atuação administrativa discricionária , fora dos casos em que o poder judicial a controla impreterivelmente?
Na opinião do Professor Diniz de Ayala passa apenas pela reserva da Administração Publica, isto é, cai no seu campo discricionário: a falta de aptidão dos tribunais para controlar a discricionariedade administrativa; a ausência de responsabilização dos juízes pelas suas decisões enquanto tais; a maior vantagem do administrado em ver a decisão discricionária ausente do controlo judicial de mérito; a obediência ao princípio da separação de poderes; a restrição dos poderes de cognição do juiz às questões de validade e, por fim, a vontade do legislador na concessão à Administração de um âmbito de poder discricionário. Como refere o Professor Doutor Diogo Freitas do Amaral[ii], o propósito do controlo jurisdicional sobre a atuação discricionária da Administração Publica não é o controlo do mérito da decisão mas sim, o cada vez maior reforço do controlo administrativo de mérito, deixando aos tribunais sujeições da atividade da administração sob critérios jurídicos que a vinculem. Assim, quanto ao controlo da legalidade do exercício do poder discricionário, verifica-se que existem razões de força maior para limitar a discricionariedade administrativa a critérios legais que, sem esvaziar o seu âmbito de atuação, permitem um maior controlo do exercício daqueles poderes, com base no fim da norma legal habilitadora de discricionariedade e nos princípios gerais de direito impostos por lei. Esta, é a única forma de valorizar e aplicar coerentemente o Principio da Tutela Jurisdicional Efetiva, expresso no Art. 20° da Constituição e no art. 2° do CPTA.
A jurisprudência portuguesa tem-se pronunciado bastante sobre o controlo judicial da atuação administrativa, sendo que a maioria dos acórdãos acaba por se pronunciar num sentido favorável à sindicabilidade mas, estritamente aos aspetos sindicáveis, isto é, aos aspetos vinculados como a competência, a forma, os pressupostos de facto e a adequação do processo ( Ac. do STA de 01/06/2000). Para alem disto, afirma-se ainda (Ac. do TOCA de 22/05/2003) que , “o uso do poder discricionário apenas poderá ser questionado em sede de desvio de poder e de erro sobre os pressupostos pelo que recai sobre a recorrente o ónus de provar que o facto foi praticado tendo em vista um fim diverso do legalmente estabelecido ou, que subjacente à tomada de decisão presidiu uma situação de erro nos pressupostos.”
Ora, a partir destes acórdãos, podemos verificar que os tribunais optam por considerar que não se pode sindicar a discricionariedade da Administração Pública, com exceção das situações de erro de facto, erro manifesto de apreciação, desvio de poder e incompetência, como já anteriormente referido.
Quanto aos limites da atuação administrativa, o Ac. 09/05/2002 do TCA determina que, “O princípio da Igualdade constitui um dos limites internos dos atos praticados no exercício de poderes discricionários. Daí que a sua invocação só assuma relevo quando a Administração atua com liberdade para escolher o comportamento a adotar e não opera no exercício de poderes vinculados, na base de critérios de estrita legalidade”. Assim, temos uma pugnação pela observância do principio da igualdade, mesmo aquando da habilitação para o exercício de poderes discricionários.
Realizado pela aluna:
Catarina Cunha, n°20762
Com a entrada em vigor do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela lei nº. 13/2002, de 19 de Fevereiro e do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (doravante CPTA), aprovado pela Lei 15/2002, de 22 de Fevereiro, deixámos de ter um contencioso apenas preocupado e destinado à mera defesa da legalidade, um contencioso que se limitava a declarar meras anulações, para passarmos a ter uma real jurisdição, com verdadeiros tribunais administrativos, com juízes dispondo de verdeiros poderes inerentes à sua função jurisdicional tais como, os poderes de reconhecer direitos, de condenar a Administração a adoptar comportamentos e/ou prestações, a adoptar medidas cautelares consideradas convenientes e a ordenar todas as diligências de prova, tidas e julgadas por úteis e necessárias ao apuramento da verdade.
O novo contencioso administrativo passa a dar guarida não só aos interesses de cada pessoa enquanto portadora de um interesse individual, mas também às entidades públicas que se lhe dirijam, às associações cívicas e mesmo aos cidadãos, quando surgem a defender interesses públicos.
Preocupando-se com uma tutela jurisdicional efectiva, o novo contencioso acaba por fazer corresponder a cada direito ou interesse legalmente protegido, um meio adequado de defesa em juízo, seja uma tutela cautelar, um processo declarativo ou um processo executivo.
Relativamente á figura das Providências Cautelares enquanto que no direito processual administrativo anterior, a figura genérica das Providências Cautelares era praticamente inexistente, ali se prevendo apenas a possibilidade de “suspender a eficácia do acto administrativo”, hoje quem se dirige à jurisdição administrativa em busca da tutela jurisdicional, poderá tentar obter do tribunal a adopção de providência destinada a acautelar o efeito útil da decisão judicial durante o tempo em que o processo declarativo estiver em curso e pendente. Existe assim, mais este traço distintivo do novo contencioso administrativo que é a tutela cautelar, permitindo o recurso a todas as providências especificadas no Código de Processo Civil, e ainda, todas as que se mostrem adequadas a assegurar a utilidade da sentença que venha a ser proferida no processo principal.
Sendo certo que uma efectiva tutela declarativa e executiva, só faz sentido se co-existir uma efectiva tutela cautelar, constata-se, que estas alterações legislativas, cumprem o imperativo desígnio constitucional, o qual enuncia a necessidade de os tribunais administrativos deverem proporcionar uma tutela jurisdicional efectiva a quem tiver necessidade de a eles recorrer.
Neste sentido, deve-se entender a faculdade atribuída aos Tribunais Administrativos de aplicar seja sanções compulsórias à Administração, seja comportamentos, quando chamados a condenar a mesma.
2 – O tratamento dado à URGÊNCIA no novo contencioso administrativo.
Processos principais e providências cautelares.
Conforme se pode verificar no artigo 36º do CPTA, o legislador criou a figura dos processos urgentes autónomos.
Na verdade, as exigências do direito à tutela judicial e efectiva levaram o legislador a reforçar a justiça urgente, quer, por um lado, instituindo mecanismos de resolução célere e flexível dos conflitos, quer, por outro lado, alargando a tutela cautelar através das providências cautelares não especificadas e da consagração de novas providências cautelares típicas.
Sensível à demora dos litígios da justiça administrativa, que em muito excedia o tempo razoável, levando a que muitas pretensões jurídico-administrativas perdessem a sua razão de ser, o seu efeito útil, com o decurso do tempo, veio o actual contencioso administrativo urgente, desdobrar-se em processos principais e em providências cautelares.
Os processos urgentes principais, são assim processos autónomos, caracterizados por uma tramitação acelerada ou simplificada, considerando que estão em jogo questões/situações cuja resolução à partida deve ocorrer num “tempo curto”, não compatível com o tempo considerado normal para a generalidade dos processos. Estes processos, ao contrário dos cautelares, decidem definitivamente o mérito da causa, quer dizer, traduzem-se em decisões judiciais definitivas quanto ao seu mérito, dada obviamente a celeridade com que no caso, se impõe alcançar a justa composição de todos os interesses envolvidos.
A tutela cautelar, é caracterizada pela sua acessoriedade ou instrumentalidade face ao processo principal, pretendendo-se que através de medidas conservatórias ou antecipatórias, seja provisoriamente regulada a situação em termos de se poder assegurar a utilidade da sentença em tempo dito normal.
Neste contexto e apesar do legislador ter intencionalmente arrumado os processos atrás referidos (urgentes e cautelares) em títulos separados, deveria o mesmo ter considerado a sua integração numa categoria de processos urgentes mais ampla, pois a ratio da tramitação “especial” de ambos os processos, prende-se precisamente com o facto de estarmos perante situações de carácter urgente, que exigem a tomada de medidas, definitivas ou provisórios, por forma a garantir a utilidade da decisão judicial, ainda que os respectivos pressupostos de aplicação sejam diferentes.
Incontornável é pois, que os processos cautelares também são urgentes, ainda que não sejam processos principais.
Aliás o próprio artigo 36º do CPTA, não foi alheio ao carácter urgente destes processos, sendo que surpreendentemente o legislador acabou por separar
mais à frente, o que inicialmente neste artigo tinha arrumado em conjunto sob a epígrafe de “Processos Urgentes”.
O que essencialmente se pretende, quer em termos constitucionais, quer em termos do direito internacional, é que a justiça administrativa tenha sempre resposta, em termos procedimentais, à solicitação de tutela de direitos ou interesses. Trata-se pois de fazer corresponder a todo o direito uma acção adequada a fazê-lo exercitar e reconhecer em juízo.
Neste contexto, é inelutável que a tutela cautelar, por não ser definitiva, não conseguiria sozinha dar uma resposta eficaz a todo o tipo de situações de urgência.
As intimações, como processos urgentes, vieram pois tentar corresponder a essa necessidade. Tratando-se de processo urgente principal, este processo, como refere Fernanda Maças, deve ser “utilizado quando for indispensável para assegurar, em tempo útil, o exercício de um direito, liberdade ou garantia e não seja possível ou suficiente o decretamento provisório de uma providência cautelar”
Diga-se porém, em abono da verdade, que através da instituição deste tipo de intimação, o propósito primordial do legislador, foi efectivamente o de dar cumprimento à imposição constitucional que apenas se reporta a direitos, liberdades e garantias pessoais, e não a quaisquer outros.
3 - O decretamento provisório das Providências Cautelares
O artigo 131º do Código de Procedimento Administrativo permite o decretamento provisório de providências cautelares imediatamente após a apresentação do pedido.
Para o decretamento de uma providência não é suficiente que os tribunais avaliem apenas a verificação, ou não, dos requisitos do fumus boni luris e do periculum in mora, é necessário também que os tribunais verifiquem o requisito da ponderação de interesses previsto no artigo 120°, número 2 do CPTA, isto é, o prejuízo para o interesse público que pode advir de tal decretamento.
Para efeitos de avaliação do periculum in mora, apenas se deverá considerar o fundado receio da produção de prejuízos de difícil reparação caso não se conclua pelo fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado, uma vez que a primordial missão da providência cautelar não é a de evitar que se produzam prejuízos de difícil reparação, mas sim a de garantir a utilidade efectiva da sentença a proferir na acção principal, em linha com o claro dispositivo do n.º1 do artigo 112.° do CPTA.
Esse regime intervém, desde logo, nas situações em que o decretamento imediato da providência seja necessário para “tutelar direitos, liberdades e garantias que de outro modo não possam ser exercidas em tempo útil” (nº1) e que, portanto, estejam em risco de sofrer uma “lesão iminente e irreversível”(nº3) e, em segundo lugar, noutras situações de “especial urgência” que se entenda deverem beneficiar do mesmo tratamento. O instituto do decretamento provisório de providências cautelares visa assegurar a tutela jurisdicional efectiva, em sede cautelar, de todo e qualquer tipo de direitos liberdades e garantias, sem que haja que distinguir entre direitos liberdades e garantias pessoais e direitos, liberdades e garantias de conteúdo patrimonial.
Se for evidente a existência de outros interesses, contrapostos ao do requerente, aconselha-se a que a providência requerida seja substituída, ou, pelo menos, cumulada com outra ou outras, afigurando-se que o tribunal poderá optar pelo respectivo decretamento provisório, recorrendo, para o efeito, à aplicação analógica do artigo 120º, número 3.
O artigo 131º tem em vista situações em que os interesses do requerente podem ser protegidos através da adopção de uma providência cautelar, sem prejuízo da decisão que venha a ser proferida no processo principal, e até sem prejuízo da decisão definitiva que, a propósito da manutenção ou não da providência que, logo de início. Foi provisoriamente decretada, venha a ser proferida no próprio processo cautelar.
O regime aqui consagrado pretende dar resposta a situações em que a célere emissão de uma decisão sobre o mérito da causa não é indispensável para proteger os interesses do requerente, sendo, para o efeito, suficiente o decretamento de uma mera providência cautelar, desde que se assegure que a providência é decretada com a maior urgência , imediatamente após o momento em que seja solicitada.
É, de resto, neste ponto que, nos casos em que esteja em causa a protecção de direitos, liberdades e garantias, radica a delimitação entre o campo de aplicação do decretamento provisório de providências cautelares, previsto neste artigo, e o da intimação para a protecção de direitos liberdades e garantias prevista no artigo 109º , nos termos supra referidos. Com efeito, a referida intimação destina-se a dar resposta a situações de outro tipo, em que a concessão da providência faria com que o processo principal se tornasse inútil e em que o único caminho é proporcionar a emissão com carácter de urgência, de uma decisão definitiva sobre o próprio mérito da questão colocada no processo principal. Com efeito, a intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias tem, assim, em vista situações como a da proibição da realização de uma manifestação em data muito próxima, ou da recusa da concessão de tempos de antena numa campanha eleitoral que está em curso ou vai começar. Isto é, situações em que a questão tem de ser decidida de imediato e não se compadece com uma com uma definição cautelar .
Com efeito, se o tribunal emitisse uma (pretensa) providência cautelar por força da qual a manifestação fosse realizada, ou os tempos de antena fossem concedidos, ele estaria a dar, e a dar a título definitivo, o que só uma decisão sobre o mérito da causa, a proferir num processo principal, cumpre proporcionar. Por este motivo se impõe utilizar, nesses casos, um processo declarativo urgente, como é o processo de intimação: trata-se de suprir as insuficiências de que, por natureza, enferma a tutela cautelar e que resultam o facto de ela ser isso mesmo, cautelar
O decretamento provisório depende da verificação do preenchimento de uma das duas situações previstas no número 3 do artigo 131º, sendo elas: a situação em presença dizer respeito a um direito, liberdade ou garantia em risco de sofrer uma “lesão iminente e irreversível”, ou ser, em todo o caso, uma situação de “especial urgência” que justifique o mesmo tratamento. As indagações a que se refere o número 3, tal como a audição do requerido, são, portanto direccionadas ao esclarecimento desse ponto, e de nenhum outro, uma vez que o decretamento provisório não depende da ponderação dos requisitos previstos nos números 1 e 2 do artigo 120º, de que depende o decretamento definitivo das providências cautelares .
Se o juiz considerar que os pressupostos do decretamento provisório não se encontram preenchidos, deve dar seguimento ao pedido como um normal pedido de providência cautelar, a tramitar segundo as regras normais. Caso contrário, decreta preliminarmente a providência, nos termos do número 3, avançando-se assim para a segunda fase do processo. Com efeito a providência ainda só é preliminarmente decretada, destinando-se, assim, a vigorar apenas durante o período necessário para, num segundo momento regulado no número 6 se avaliar se o decretamento provisório preliminarmente definido deve ser levantado, alterado ou mantido durante a pendência do processo cautelar. A providência cujo decretamento provisório, seja, entretanto, confirmado, nos termos do número 6, destina-se a vigorar, a título provisório, durante a pendência do processo cautelar, até ao momento em que este venha a ser decidido- ou seja, até ao momento em que venha a ser estabelecido se a mesma providência é definitivamente decretada, para o efeito de valer durante a pendência do processo principal e até ao momento em que esta processo também venha, pro sua vez, a ser decidido.
O pedido de decretamento provisório de providências cautelares não, dá, pois, origem a um processo cautelar especial especial, mas, mais propriamente, a um incidente do processo cautelar, mas, mais propriamente, a um incidente do processo cautelar. Pode, por isso, até certo ponto, dizer-se que, nas situações abrangidas pela previsão do artigo 131º, o processo de decretamento provisório está para o processo, tal como este está para o processo principal. Nos casos em que existe, o processo de decretamento representa, assim uma forma processual secundária, ou, talvez melhor dito, uma fase procedimental especifica do processo cautelar, que torna necessária a prática de actos e termos não compreendidos na estrutura própria do processo cautelar, mas cuja existência não prejudica a normal tramitação deste processo.
No número 6 do artigo, a decisão proferida nos termos do nº3 é urgentemente notificada à autoridade requerida para cumprimento imediato tendo aplicação ao caso o disposto no número 1 do artigo 122º, para o qual remete o segmento inicial do número 6.
4 - A alteração das circunstâncias a que se refere o artigo 124º, nº 1 do CPTA deve circunscrever-se à alteração das circunstâncias de facto ou abrange as alterações legislativas? Ocorrerá “Caso Julgado” na procedência, implicando a improcedência da acção principal ?
A letra do artigo 124º, nº 1 do CPTA, é suficientemente abrangente para nela caber o entendimento de que relevam tanto as alterações da factualidade pertinente, como do direito aplicável, não impondo, por si, um sentido restritivo, nomeadamente com base em considerações de ordem Lógico-conceptual relativas à inalterabilidade das sentenças com base em erro de julgamento, que, no fundo, a adopção de uma nova interpretação da lei por força da interpretação autêntica pressuporia. Não parece que esse sentido restritivo corresponda à intenção legislativa. Com efeito, o artigo 124º tem aplicação exclusivamente às decisões de procedimentos cautelares, caracterizadas pela instrumentalidade, pela provisoriedade e pela sumariedade, tendo em vista assegurar a utilidade da decisão a proferir no processo principal. À urgência da decisão cautelar implica juízos sumários baseados em apreciações perfunctórias, que não podem alhear-se da evolução dos factos e do direito aplicável com incidência na decisão do processo principal, daí a revisibilidade dessa decisão cautelar na pendência deste processo. Ora, a alteração da lei aplicável nos processos pendentes, sendo inovadora, é uma circunstância que não pode deixar de ser considerada, ainda que se deva concluir, num determinado caso concreto, pela ilegitimidade dessa alteração. Mas também a superveniência duma lei interpretativa, que é, por si só, um fator novo, não considerado na decisão cautelar anterior, justifica uma nova ponderação com vista à manutenção ou alteração dessa decisão, à luz do disposto no artigo 124º. Aliás, sendo tal fator decisivo para a opção por um dos sentidos interpretativos possíveis, mal se compreenderia que o tribunal permanecesse insensível perante a interpretação autêntica diferente da adaptado anteriormente na decisão cautelar, quando, na decisão do processo principal aquela interpretação autêntica não pode deixar de ser seguida. E menos se compreenderia ainda, sabendo-se que a decisão cautelar é um instrumento provisório ao serviço da efetiva utilidade da decisão do processo principal, de modo que todas as circunstâncias, sejam elas de facto ou de direito que possam ter reflexos no processo principal, não deverão deixar de se refletir também na evolução do processo cautelar. Por isso, a decisão do processo principal, ainda que não transitada em julgado, constitui um exemplo de alteração das circunstâncias dado pelo próprio legislador no nº 3 do artigo 124º - “É, designadamente, relevante, para os efeitos do disposto no nº 1, a eventual improcedência da causa principal, decidida por sentença de que tenha sido interposto recurso com efeito suspensivo.” Contra essa relevância da decisão do processo principal - onde, obviamente, se consideram circunstâncias de facto e de direito - para revogar, alterar ou substituir a decisão cautelar, não vale, a meu ver, a invocação da estabilidade das decisões judiciais, porque expressamente a lei prevê a sua revisibilidade para manter operacional a sua função instrumental ao serviço da utilidade da decisão do processo principal. Por isso, o que importa é que a alteração das circunstâncias, sejam de facto ou de direito, “(...) determinem, no juiz, uma convicção diferente quanto ao preenchimento e conjugação entre si dos critérios enunciados no artigo 120º, seja do ponto de vista da existência do periculum in mora ou do fumus boni iuris (ou do fumus non malus iuris, seja do ponto de vista da aplicação do princípio da proporcionalidade na ponderação dos vários interesses em presença, seja, enfim, do ponto de vista de identificação da solução que, de entre várias possíveis, se apresente como a menos gravosa.”1
5. Conjugação do artº 109 com o artº. 131º do CPTA.
ATutela definitiva e tutela provisória
Concluído o processo cautelar, o juiz decidirá se a providência se deve manter durante toda a pendência do processo principal, se deve ser alterada ou se deve pura e simplesmente ser levantada.
Com efeito, estamos perante um processo cautelar urgente, caracterizado pela sua relação de instrumentalidade e provisoriedade, relativamente ao processo principal, que é também ele um processo cautelar. Enquanto a intimação urgente permite regular de forma definitiva e imediata a situação, o mecanismo consagrado no artº. 131º do CPTA, limita-se a oferecer uma forma de tutela provisória e não definitiva.
Não obstante as diferenças salientadas do ponto de vista estrutural, importa referir um elemento comum aos dois instrumentos processuais, uma vez
que em ambos os casos se permite assegurar em 48 horas o exercício útil de um direito, liberdade ou garantia, de forma a prevenir situações de lesão irreversíveis.
Pelo exposto, é coerente afirmar que a problemática da subsidiariedade da intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, em última análise, acaba por se reconduzir em saber no caso concreto, quando é que as pronúncias de mérito são necessárias para acautelar a causa, em confronto com uma mera pronúncia provisória e instrumental, providenciada pela tutela cautelar urgente.
Com interesse ainda para a temática em análise, cabe referir, embora alguns autores assim não o entendam, que no caso do juiz ser chamado a proferir uma intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, e verifique não se encontrarem preenchidos os pressupostos de que depende este meio processual, por “ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar, segundo o disposto no artigo 131º”, ele deve proceder à convolação oficiosa do processo num processo cautelar para efeitos do disposto no
artigo 131º.
Tal actuação deverá ser compreendida à luz do princípio a tutela judicial efectiva e do imperativo constitucional relativo à efectividade dos direitos, liberdades e garantias.
1 Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, in Comentário ao CPTA, 3 ed., Almedina, pág.838 e s. Cfr. também Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa, 9a ed. Almedina, pág. 351
BIBLIOGRAFIA
José Vieira de Andrade, “Tutela cautelar”. IN Cadernos de Justiça Administrativa N.º 34. Julho-Agosto. 2002.
José Vieira de Andrade, “ A justiça administrativa”. Almedina. Coimbra. 11.ª edição, 2011. ALMEIDA, Mário Aroso de, “Novo regime de processo nos tribunais administrativos”. Almedina. Coimbra. 2003.
Mário Aroso de Almeida, “Manual de Processo Administrativo”.Almedina. Coimbra. 2010.
Mário Aroso de Almeida, “Medidas Cautelares no ordenamento contencioso – breves notas” IN Direito e Justiça, Revista da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa. Volume XI, tomo III. 1997.
FONSECA, Isabel Celeste. “A urgência na reforma do processo adminstrativo”. IN Reforma do Contencioso Administrativo – O debate universitário. Volume I. Coimbra editora. Coimbra 2003.
Fernanda Maçãs, “As medidas cautelares” IN Reforma do Contencioso Administrativo – O debate universitário. Volume I. Coimbra editora. Coimbra 2003.
Ana Sofia Castro Pinto, nº20392
Enquadramento histórico:
Nem sempre se admitiu a impugnação jurisdicional directa de normas administrativas. Dois fundamentos foram invocados para se lhe obstar[1]. Primeiro, devido ao regulamento ser um acto geral e abstracto, seria insusceptível de produzir lesões directas na esfera jurídica do particular (a lesão seria apenas do acto administrativo de execução, e apenas este era sindicável). Segundo, no que diz respeito aos regulamentos governamentais, porque estes se traduzem em opções de índole política e estão dotados de especial autoridade (majestas), logo não deveriam ser postos em causa pelos Tribunais[2].
Tudo isto foi abandonado pelas novas exigências propugnadas pelos princípios da legalidade e juridicidade administrativas, a par de um aumento das garantias dos administrados. Começou a achar-se que, de facto, existem normas que são directamente lesivas dos direitos e interesses dos particulares. Logo, o legislador ordinário encarregou-se de transpor este novo entendimento para diploma, surgindo o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (1984) e a Lei de Processo nos Tribunais Administrativos (1985) a prever um conjunto de meios processuais de impugnação jurisdicional directa de normas administrativas. O art.268º/5 da CRP apenas surgiu com a revisão constitucional de 1997, constitucionalizando o que já estava assente no corpo normativo ordinário.
Impugnação jurisdicional de normas:
Impugnação contenciosa indirecta:
Este sistema opera mediante a excepção de ilegalidade deduzida no recurso contencioso de anulação que foi interposto contra um acto administrativo que se fundamenta no regulamento. Exemplo: a Câmara Municipal recusa licença com base na violação de um Plano desta vinculativo.
Quando o particular propuser acção de impugnação do acto, ele pode deduzir excepção em relação à norma (invocando uma razão de ilegalidade da mesma). Este novo pedido segue acção administrativa especial de impugnação de normas administrativas. Em caso de procedência, a consequência será a desaplicação, em relação caso concreto, daquela norma do Regulamento. O Tribunal é, portanto, obrigado a recusar a aplicação daquela norma.
Neste caso concreto não se vai mais longe que isto, ou seja, não se vai declarar a ilegalidade com força obrigatória geral. O regulamento permanece em vigor para terceiros e para o particular em tudo o que não se relacionar com esse caso concreto. Apenas se anula ou declara nulo o acto administrativo. Logo, o prazo é o da impugnação de actos administrativos (art.58º CPTA)e não o da impugnação de normas.
Impugnação contenciosa directa:
Como analisámos anteriormente, este regime é uma garantia jurisdicional prevista no art.268º/5 da CRP, que nos remete para o previsto a este respeito nos arts.72º e ss do CPTA.
Neste campo, há duas vias para se proceder à impugnação de regulamentos administrativos:
a) Declaração de ilegalidade com força obrigatória geral
b) Declaração de ilegalidade sem força obrigatória geral
a) Declaração de ilegalidade com força obrigatória geral:
Os requisitos da sua aplicação estão previstos no art.73º/1 do CPTA. Quanto à legitimidade activa, pode ser pedida, sem dependência de quaisquer requisitos, pelo Ministério Público, oficiosamente ou mediante requerimento apresentado pelas pessoas ou entidades do art.9º/2 CPTA. Por outro lado, pode pedi-la quem tenha sido prejudicado pela aplicação da norma ou possa vir a sê-lo em momento próximo, desde que com consistente grau de probabilidade. No entanto, só pode ser pedida pelos particulares depois de a norma ter sido desaplicada em três casos concretos. O Ministério Público tem o dever de propor acção se tiver conhecimento da desaplicação da norma em três situações, de modo a evitar-se que as normas desaplicadas continuem em vigor durante muito tempo sem se proceder à sua fiscalização em abstracto[3]. Esta tripla desaplicação tanto pode ter sido por via directa como indirecta
Os efeitos dessa pronúncia do Tribunal não nos interessam para o estudo que aqui apresentamos, pois é na próxima modalidade processual que se insere o requisito da imediata operatividade da norma administrativa. No art.73º/1, essa questão não tem aplicação, pois a norma pode necessitar de um acto administrativo para ser lesiva, mas se dela resultar a previsibilidade da lesão (por exemplo a prática de um acto administrativo concretizador desses mesmos efeitos) surge a legitimidade activa[4].
b) Declaração de ilegalidade sem força obrigatória geral:
Aqui, os efeitos do caso julgado são restritos ao caso concreto. Pode ser pedida pelo lesado ou pelos titulares da acção popular, quando a norma produza os seus efeitos imediatamente. E o que são normas imediatamente operativas?
Normas que não dependem de um acto administrativo ou jurisdicional para produzirem os seus efeitos (art.73º/2).
É aqui que começa a verdadeira discussão, sobre o que serão normas imediatamente operativas. Isto porque apenas esta categoria de normas pode ser directamente impugnada (pelos particulares, sem necessidade de esperar três aplicações). O art.73º/2 fornece o critério da independência de acto administrativo, mas a incerteza ainda é grande, surgindo dúvidas na aplicação jurisprudencial deste conceito.
Então, o que se deve entender por normas imediatamente operativas?
A primeira vez que surgiu esta distinção foi na obra de MAGALHÃES COLLAÇO[5], que identifica como regulamentos imediatamente lesivos os que extinguem direitos atribuídos por lei. ESTEVES DE OLIVEIRA, releva o momento e o modo como os efeitos da norma se projectam na esfera jurídica dos particulares: quando essa projecção se realiza de forma imediata e sem interposição de qualquer acto de aplicação, o regulamento será imediatamente operativo[6]. Por fim, MOREIRA DE SILVA enuncia o que, para si, deve ser um critério prático para qualificar um regulamento como imediatamente produtor de efeitos: estes passarem, ou não, pela dependência de um acto administrativo ou jurisdicional de aplicação. Foi este critério que o legislador adoptou na LPTA e no CPTA. Cabe dizer que é assente que se uma norma conferir a um determinado órgão administrativo uma margem de livre decisão, seja por via de conceitos indeterminados ou da concessão de poderes discricionários, não podemos estar perante uma norma produtora de efeitos. Precisamente porque o efeito imediato não se verifica enquanto a Administração não concretizar essa lesão através do acto administrativo. Até lá, esses efeitos podem, ou não, acontecer. [7] Por exemplo, se um determinado PDM prever numa norma que num determinado local será indeferida uma licença se a pretensão edificatória colocar em risco os usos agrícolas confinantes. Esta norma confere um poder de livre apreciação à Administração, pelo que não poderá ser impugnada directamente devido à falta de efeito imediato em relação ao particular. Outro exemplo: PDM que, para uma zona urbanizável, prevê a prévia elaboração de um Plano de Pormenor se for necessário uma articulação com a envolvente, antes de qualquer aprovação de operação de loteamento.
No entanto, também não é difícil um exemplo que consagre uma norma imediatamente operativa. Este poderá ser o de um PDM que consagra um direito de preferência (126º RJIGT), por exemplo, numa zona histórica. Aqui, surge imediatamente na esfera jurídica do particular a obrigação de preferência, sendo irrelevante o acto administrativo que aceita ou recusa a celebração do contrato.
No entanto, como refere MÁRIO LEMOS PINTO, este critério formal não se tem revelado plenamente satisfatório em termos de aplicação prática e o resultado disso mesmo são decisões jurisprudenciais díspares[8].
Face a isto WLADIMIR BRITO propõe um novo paradigma jurídico-processual. Será mediatamente operativa a norma que confere à Administração poderes discricionários, pois há a necessidade prática de se concretizar, de entre um conjunto de hipóteses em que isso pode não acontecer, a efectiva lesão do particular. É imediatamente operativa a norma que vincula a Administração à prática de meros actos instrumentais ou materiais, ou seja, quando estejamos na presença de uma norma que confira poderes vinculados. Este critério não parece estar consagrado n art.73º/2 do CPTA.
Presumimos que se trata de um critério que encontrou inspiração no direito europeu, mais precisamente no conceito de afectação directa. Este conceito está previsto no quarto parágrafo do art.263º TFUE[9] para servir o propósito de determinar o pressuposto processual da legitimidade activa dos particulares. O Tribunal Geral esclarece, em primeiro lugar, quanto ao conceito de afectação directa em geral, retomando jurisprudência anterior do Tribunal de Justiça, que “no que respeita ao pressuposto da afectação directa tal como constava do art.230º TCE, já foi decidido que esse pressuposto exigia, primeiramente, que a medida impugnada produzisse directamente efeitos na situação jurídica do particular e, depois, que não deixasse nehuma margem de apreciação aos destinatários da medida encarregados da sua aplicação, tendo esta carácter puramente automático e decorrendo apenas da regulamentação em causa, sem aplicação de outras normas intermédias (…)”[10]
Há, em suma, 2 requisitos[11] para que exista o preenchimento deste critério: 1. A produção de efeitos jurídicos na esfera do particular; 2. Que essa produção ocorra sem a necessidade de medidas de execução das autoridades nacionais.
A confirmar isto mesmo vêm as conclusões do Advogado-Geral do Ac. Inuit[12], que referem que essa afectação directa pode existir mesmo quando hajam actos intermédios pelo meio, que executem de forma vinculada as primeiras medidas. Ou seja, sem que exista uma margem de livre apreciação, tal como propõe WLADIMIR BRITO.
Este novo critério é alvo de crítica por MÁRIO LEMOS PINTO[13], pois mesmo no âmbito de poderes vinculados, tal implica (ou pode implicar) a prática de um acto administrativo de aplicação. Logo, não resolve o problema de saber quando é que o efeito lesivo de uma norma pressupõe a intermediação de um acto administrativo. Também não situa correctamente o eixo da questão, isto porque a vinculação às normas deve aferir-se do lado do particular e não da Administração. Só quando este fica vinculado ao conteúdo da norma é que esta se deve considerar operativa.[14]
Concordamos com a segunda crítica porquanto só quando se fazem sentir os efeitos na esfera jurídica do particular é que podemos verdadeiramente rotular a norma como imediatamente operativa. Por exemplo, no caso do direito de preferência a favor do Município, já sabemos que o particular tem, de facto, a obrigação de preferência em relação ao Município. O efeito lesivo já se consumou. Mas o Município pode, ou não, aceitar o negócio jurídico, não estando vinculado a fazê-lo.
Mas em relação à primeira crítica não estamos tão de acordo. Isto porque o critério da vinculação, mesmo quando um acto administrativo entre em cena, pode servir como parâmetro aferidor da vinculação em relação ao particular, nomeadamente, quando esse acto administrativo de aplicação se tornará inútil em relação à situação jurídica do particular (como no caso de um Plano que retira potencialidade edificatória a determinado terreno, pois o particular não tem de esperar pelo indeferimento da sua licença para saber que não pode construir no seu terreno). Pela vinculação percebemos que esse acto administrativo nada mudará em relação às expectativas do particular. Não resulta numa concretização de entre escolhas, mas de um passo posterior de execução. Ou seja, no caso de poderes vinculados, não será essa intermediação que propiciará o efeito lesivo. Portanto, neste caso, são esses poderes vinculados que ajudam a aferir o momento da vinculação ao particular. Não é só a inexistência da prática de um acto, mas também o concreto papel do posterior acto administrativo que nos indicam o momento da produção desses efeitos lesivos.
Posições do STA:
Acórdão de 15-12-2004[15]:
Trata-se, aqui, do já aludido Regulamento da Associação dos Técnicos Oficiais de Contas onde se indicam quais os documentos que devem instruir o pedido de inscrição na Associação, os requisitos dos mesmos e os meios de prova de certos factos. Basicamente, discute-se se a restrição dos meios de prova até à admissão única de uma declaração fiscal assinada pelos mesmos, tem efeitos directos. Ou se, pelo contrário, os efeitos só surgem aquando do indeferimento da inscrição. Foi decidido que “a exigência de que os interessados apenas podem fazer prova do exercício da sua actividade através de declarações fiscais que contivessem a sua assinatura restringe a sua liberdade probatória”. No entanto, houve voto de vencido (MADEIRA DOS SANTOS), o qual refere que a operatividade da norma resulta da sua natureza, logo tem um carácter objectivo. Portanto não muda consoante as repercussões que provoque na subjectividade de quem a conheça (isto a propósito do argumento que relevava a mudança de comportamento dos candidatos face à impossibilidade de inscrição devido ao facto de se sentirem abrangidos pela previsão da norma).
Este Acórdão operou uma viragem no entendimento jurisprudencial propugnado pelos Acórdãos 19-11-2003[16] e 25-11-2003[17]. Estes decidiram que a entrada em vigor da norma não impedia a futura candidatura dos interessados e que só o indeferimento, resultante da aplicação concreta da dita norma ao caso concreto é que transporia para a esfera individual daquela categoria de pessoas os ditos efeitos restritivos da norma.
Acórdão de 25/10/2005[18]:
Este novo acórdão veio reafirmar a doutrina iniciada, quanto à mesma norma, pelo Acórdão de 15-12-2004. Aqui decidiu-se também pelo carácter imediatamente operativo da nossa norma do regulamento da ATOC. Precisamente porque altera a situação de um grupo de pessoas de modo imediato[19], restringindo-lhes as faculdades de que dispunham. O acto administrativo posterior será uma mera aplicação concreta, uma execução da decisão contida na norma. Ou seja, parece-nos resultar daqui que, quando o particular já não possui “escapatória possível”, escusa de esperar pelo acto de indeferimento.
Como súmula do exercício judicativo do Acórdão, extrai-se o pertinente excerto:
“Assim percorridos alguns dos textos mais relevantes da doutrina sobre os critérios de distinção do regulamento imediatamente operativo e considerando também os Acórdãos em confronto verificamos que todos estão de acordo em que o regulamento apenas será imediatamente operativo quando seja fonte de prejuízos directos e imediatos para os particulares seus destinatários, antes mesmo de ser aplicado por actos concretos.
Alguns autores, como vimos, colocam também como base de distinção do regulamento imediatamente operativo ‘impôr condutas específicas a cidadãos que se encontrem em condições determinadas ou modificar o estatuto jurídico de uma categoria de pessoas´”.
Por isso mesmo o Acórdão começa com o cuidado de identificar criteriosamente qual o conjunto de pessoas abrangidas pela previsão da norma. Logo conclui-se pela mudança de “estatuto jurídico” dessa mesma categoria só pelo facto da entrada em vigor da norma do regulamento. É reportado como válido o argumento da inutilidade do pedido da inscrição. São, portanto, normas substantivas e não só procedimentais as que foram analisadas.
Acórdão de 10/02/2004[20]:
O caso aqui é decifrar se a norma do nº6 da Portaria nº603/89, conjunta dos Ministros das Finanças e do Comércio e Turismo é imediatamente operativa ou não. Esta norma proíbe a acumulação do benefício da indemnização prevista no art.6º/1 do DL 143/89 com a candidatura excepcional prevista no nº3 desse preceito. O critério que, a priori, é adiantado pelo Tribunal é o seguinte: não são se “não estiverem, desde logo, em condições de lhes causar prejuízo, máxime por não prescindirem de actos concretos de aplicação”.
A decisão deste Acórdão foi a de não considerar como imediatamente operativa aquela norma, pois que, por força dela, os trabalhadores do extinto IIE não ficaram imediatamente excluídos de qualquer concurso, só deles sendo excluídos por actos que, decidindo esses concursos, aplicarem essa norma. O prejuízo só se concretizaria se e quando o interessado se candidatasse e, aí, fosse decidido que tal não era legalmente permitido.
Ora, tendemos a discordar com este entendimento, porquanto esta situação em muito pouco difere com a anterior, pois antes de concorrerem, os funcionários que tivessem aceitado a indemnização, estavam automaticamente impedidos de concorrer. O novo acto de concurso seria por demais irrelevante e inútil e a maioria dos interessados nem se candidataria. Qual seria a lógica aqui de ter de impor um ónus ao particular de iniciar um procedimento de candidatura, esperar pelo indeferimento (que já se sabe de antemão qual será o resultado) e só aí impugnar o acto de indeferimento para, indirectamente, atacar a dita norma pela sua ilegalidade?
[1]ALVES CORREIA, Fernando, Manual de Direito do Urbanismo vol.I, Almedina 2008 p.700 e ss
[2] Sobre este segundo tópico acordavam com o exposto o STA e o Professor Marcello Caetano aos quais se opunha o Professor Afonso Queiró.
[3] ANDRADE, Vieira de, A Justiça Administrativa, p. 245
[4] ESTEVES DE OLIVEIRA, Mário/ESTEVES DE OLIVEIRA, Rodrigo, Código de Processos nos Tribunais Administrativos anotado p. 446 (nota ao art.73º)
[5] COLLAÇO, Magalhães, Direito Administrativo, Lições (de 1917-1918) p.99 e 100
[6] ESTEVES DE OLIVEIRA, Mário, A impugnação e a anulação contenciosas dos regulamentos, in Revista de Direito Público, nº2 1986, pp.29 ess.
[7] ALVES, Pedro Delgado, Acção Administrativa Especial, coord. VASCO PEREIRA DA SILVA
[8] LEMOS PINTO, Mário Jorge, Impugnação de Normas e Ilegalidade por Omissão, p.189. Exemplo disso mesmo (que utilizaremos adiante) são os acórdãos do STA de 19-11-2003 e de 25-11-2004 e os acórdãos do STA de 15-12-2004 e de 25-10-2005. A respeito do Regulamento da Associação dos Técnicos Oficiais de Contas, o qual indicava quais os documentos que deveriam instruir o processo de inscrição na Associação, os primeiros acórdãos entenderam que era necessária a emissão de um acto administrativo de “acertamento constitutivo das condições previstas no regulamento aos factos invocados pelo interessado”; ao contrário dos segundos que viram as mesmas normas como tendo natureza substantiva e, portanto, sem necessidade de um posterior acto administrativo que as aplicasse.
[9] Cujo teor decorria do ex-art.230º TCE.
[10] Ac. TJ 05/05/1998, proc. C-386/96
[11] Que decorrem também do considerando 27 do Ac. Microban proc. T-262/10
[12] Proc T-18/10
[13] LEMOS PINTO, Mário Jorge, Impugnação de Normas e Ilegalidade por Omissão, p.190
[14] Um dos muitos exemplos disso mesmo é o caso de um plano que impõe directamente a proibição de construção ao particular, necessidade de um acto de licenciamento que indefira a sua pretensão. Especificamente sobre um POOC, veja-se o Acórdão do TCA-Sul de 7-12-2006.
[15] Processo nº0768/04
[16] Processo nº01314/03
[17] Processo nº0146/03
[18] Processo nº0768/04
[19] ANDRADE, Vieira de, A Justiça Administrativa, p. 245. Com referência expressa à situação da afectação da situação jurídica de uma categoria de pessoas.
[20]Processo nº 01761/03
Por: Nuno Miguel Fernandes Caetano
“Fred Jones of Peoria, sitting in a sidewalk café in Tunis, and needing a light for his cigarette, asks the man at the next table for a match. They fall into conversation; the stranger is an Englishman who, it turns out, spent several months in Detroit studying (…) ‘I know it’s a foolish question’ says Jones, ‘but did you ever by any chance run into a fellow named Ben Arkadian? He’s an old friend of mine, manages a chain of supermarkets in Detroit…’. ‘Arkadian, Arkadian…’ the Englishman mutters. ‘Why, upon my soul I believe I do!’ (…) ‘No kidding! ’Jones exclaims in amazement. ‘Good Lord, it’s a small worls, isn’t it?’
O excerto introdutório foi retirado de um pequeno estudo publicado no Psychology Today, da autoria de STANLEY MILGRAM, datado de 1967. Nele foi firmada aquela que se viria a chamar de “teoria dos seis graus de separação”. Grosso modo, tal teoria indica que duas quaisquer pessoas no mundo estão, em média, separadas por seis diferentes relações de amizade.
Vivemos numa era eminentemente internacional. Muito do que é o nosso quotidiano interage frequentemente com uma cornucópia de realidades estrangeiras, sem que muitas vezes de tal tomemos conta: pessoas; produtos; empresas; várias são as manifestações do que constitui verdadeiramente uma época global.
Não surpreende portanto, que a realidade social se tenha que adaptar a uma tão frequente conexão entre o que é a ordem nacional e as mais diversas culturas. Dadas principalmente as facilidades de mobilidade entre Estados e a evolução das novas tecnologias, por isso, é relativamente fácil hoje em dia nos depararmos com uma situação que apresenta pontos de contacto entre várias nacionalidades.
Não é inesperado também, que mais tarde ou mais cedo a mesma imposição de adaptação se pusesse à Ordem Jurídica, procurando resolver uma multiplicidade de questões e litígios que antes, naturalmente não se colocariam.
Desta forma vê-se criada, estritamente no âmbito das questões contenciosas, a competência internacional dos Tribunais para a resolução de litígios que apresentem pontos de conexão com várias ordens jurídicas. Imperam assim duas importantes precisões: a primeira de que, no cerne internacional, estas questões são resolvidas com recurso a vários instrumentos como será o caso de Acordos, Tratados ou Regulamentos que disciplinam e harmonizam a distribuição de competências entre Tribunais. Segundo, que será desejável, e felizmente habitual, que os próprios Estados possuam normas internas que regulam a competência em termos internacionais.
É isto que ocorre no âmbito do Processo Civil, onde são conhecidas diversas normas que se apresentam para resolver conflitos deste tipo. Porém, na área do Contencioso Administrativo, é latente relativamente a normas que cumpram essa mesma função.
Ou seja, perante a hipotética colocação de litígios eminentemente internacionais perante um Tribunal de jurisdição administrativa, como se resolveria a questão? Esta modesta exposição pretende apresentar uma sucinta descrição do problema recorrendo a dados doutrinais e jurisprudenciais e tendo em conta as novas regras advenientes do novo Código de Processo Civil.
Delimitando a forma como opera a competência internacional temos que: “…a competência internacional refere-se aos casos que apresentam uma conexão com outras ordens jurídicas. A competência internacional dos tribunais portugueses é, assim, a competência dos tribunais da ordem jurídica portuguesa para conhecer de situações que, apesar de possuírem, na perspectiva do ordenamento português, uma relação com ordens jurídicas estrangeiras, apresentam igualmente uma conexão relevante com a ordem jurídica portuguesa”[1].
Perante estas situações, deparamo-nos com uma aparente lacuna em legislação administrativa, uma vez que nos termos do CPTA, nenhuma disposição regula a competência internacional, mas sim a competência territorial (art. 16º a 22º).
Como decidiriam então os tribunais administrativos perante uma decisão que se mostrasse ligada a uma ordem jurídica estrangeira? Ora, recentemente, o Tribunal Central Administrativo Sul[2] veio declarar em sede de recurso que o TAF do Funchal era internacionalmente competente para conhecer de um litígio que apresentava pontos de conexão com ordens estrangeiras. Fundamentado, aquele Tribunal veio a aduzir que os factores de atribuição de competência internacional seriam:
“a) Ter o réu ou algum dos réus domicílio em território português, salvo tratando-se de acções relativas a direitos reais ou pessoais de gozo sobre imóveis sitos em país estrangeiro;
b) Dever a acção ser proposta em Portugal, segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa;
c) Ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na acção, ou algum dos factos que a integram;
d) Não poder o direito invocado tornar-se efectivo senão por meio de acção proposta em território português, ou constituir para o autor dificuldade apreciável a sua propositura no estrangeiro, desde que entre o objecto do litígio e a ordem jurídica nacional haja algum elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real”
Ou seja, a decisão faz tabula rasa daquilo que era a redacção do art. 65º do CPC, na redacção dada pelo DL nº 38/2003, e não na redacção constante do DL nº 52/2008, e aplicou-o de imediato à situação plurilocalizada, sem fazer considerações de maior a cerca da competência internacional dos Tribunais Administrativos.
Anteriormente, o Ac. STA nº 4/2010, encontrou uma solução diversa: perante uma situação internacional, em que uns autores eram residentes em Portugal e outros no estrangeiro, julgou que tanto era competente o Tribunal de domicilio do(s) autores que residiam em Portugal, com base no art. 16º do CPTA, como o Tribunal Administrativo de círculo de Lisboa, nos termos do art. 22º do referido Código.
Observa-se então neste caso que o STA decidiu pura e simplesmente, ignorar qualquer consideração relativamente a regras de competência internacional e conferir amplitude máxima ao art. 22º do CPTA, estipulando este que não sendo possível determinar a competência territorial à luz das disposições processuais administrativas, é competente o Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa. Desenvolveremos mais a questão, mas desde já adiantamos que não concordamos com esta aplicação desenfreada do art. 22º: não, porque como o próprio preceito adianta, a sua aplicação atinge apenas os casos de impossibilidade de determinação de competência territorial, mantendo-se ainda a lacuna quanto a competência internacional; E não, porque mesmo sendo aplicado no âmbito da competência internacional, desenvolve então um caso de atribuição exorbitante de competência.
Multiplicam-se agora as questões e divergências. Afinal, perante um litígio plurilocalizado, ignoramos quaisquer normas não administrativas e restringimo-nos à aplicação imediata do CPTA? Não nos parece viável, na medida em que se assim for, nos encontramos a aplicar a casos internacionais normas que não foram designadas para resolver essas questões (de competência territorial).
Aplicamos então as disposições do CPC no que respeita à competência internacional, adaptando-o ao âmbito administrativo?
É normal este grau de incerteza e de decisões divergentes na jurisdição administrativa uma vez que, convém lembrarmo-nos, nos encontramos perante casos extremamente incomuns[3]. Não é por isso, contudo, que a questão merece menos resposta, uma vez que, como já aqui dissemos, nos encontramos numa época onde cada vez mais facilmente é possível a convergência de várias culturas numa mesma situação.
Referimos supra que não entendemos que o art. 22º possa ser aplicado de forma imediata ao caso concreto. Mas será que ele pode ser aplicado de outra qualquer forma indirecta?
Antes de mais, não podemos deixar de entender que as disposições processuais são aplicadas no âmbito administrativo. Isto por via do art. 1º do CPTA ao estabelecer que o processo dos tribunais administrativos se rege “….supletivamente, pelo disposto na lei de processo civil, com as necessárias adaptações”.
À luz do novo Código de Processo Civil, as disposições relevantes são as constantes nos arts. 62º e seguintes. Logo à partida se releva uma pequena alteração do art. 62º do CPC em relação ao ex- art. 65º: em vez de constar, como constava, que “sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos comunitários e em outros instrumentos internacionais, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes: …”, o proémio do art. 62º basta-se agora com “Os tribunais portugueses são internacionalmente competentes: …”.
Implicará esta alteração uma desvaloração daquilo que vier regulado em instrumentos internacionais? Somos forçados a entender que não. Por um lado sabemos que, hierarquicamente, a normas internacionais sempre haverão de vigorar directamente na nossa ordem jurídica. Por outro lado, pugnamos pela manifesta desnecessidade da redacção dada ao ex-art 65º do CPC uma vez que se limitava a repetir aquilo que já vinha previsto no ex-art 65º-A/a) (agora 63º). Não excluímos assim, e até ansiamos, a hipótese de vir a ser regulada a competência internacional na jurisdição administrativa em algum(s) instrumentos internacionais.
Deste modo, atendendo ao novo art. 62º do CPC temos que: “Os tribunais portugueses são internacionalmente competentes: a) Quando a acção possa ser proposta em tribunal português segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei;”.
“Malhas que o império tece”, levanta-se agora uma nova questão: “…regras de competência territorial estabelecidas na lei”? Quais? As regras de competência territorial previstas no CPC (ou seja, a remissão efectuada pelo art. 62º para os arts. 73º e ss do CPC)? ou as regras estabelecidas nos já mencionados arts. 16º e ss. Do CPTA?
De facto, não podemos deixar de reparar que a remissão efectuada para a lei de processo civil, através do art. 1º do CPTA apenas opera “supletivamente”, ou seja, em tudo o que não estiver especialmente regulado nas regras processuais administrativas. De igual forma, apenas as regras de competência territorial expostas no CPTA estão melhor designadas a serem aplicadas à jurisdição administrativa.
Portanto, daqui se chega a uma conclusão intermédia. Não havendo nada de especialmente regulado quanto à competência internacional nas normas processuais administrativas, opera a remissão do art. 1º do CPTA para as regras processuais civis. Estas, ao fazerem uma remissão para as regras de competência territorial (art. 62º CPC), voltam a submeter a questão às normas de competência constantes nos art. 16º e ss. Do CPTA. À primeira vista, aparenta até ser um fenómeno de devolução a nível estritamente interno.
Mas, por esta conclusão, somos obrigados a retirar uma outra consequência: que se as normas de competência a aplicar forem as constantes no CPTA, então poderemos voltar a cair no art. 22º e, sempre que não for possível determinar a competência por aplicação dessas disposições, se tem como competente (neste contexto, internacionalmente) o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa. Assim sendo, repetimos as críticas já aqui aduzidas em relação a este preceito.
Vemos então que o problema se encontra, neste estágio, mitigado pese o facto de ainda perdurar. Como resolver então a questão de forma mais definitiva possível?
Pois que, a este propósito, podemos desde já referir uma alteração relevante ao ex-art. 65º do CPC. Agora, do art. 62º do CPC (2013) consta uma nova b) que estipula que os tribunais portugueses são internacionalmente competente em virtude de “ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na ação, ou algum dos factos que a integram”.
Assim vemos que mesmo que seja incomum, na jurisdição administrativa, a colocação de uma questão plurilocalizada, a haver, ela há-de caber no âmbito razoavelmente abrangente desta nova b). Efectivamente, prevê-se que não será difícil que todas as questões suscitadas perante essa jurisdição tenham como base um facto que serve de causa de pedir da acção ou que a integra, praticado em território português.
Por outro lado, da transição do ex-art 65º do CPC para o novo art. 62º permanece a c) (ex-d)), estabelecendo que os tribunais portugueses são internacionalmente competentes, quando o direito invocado não possa tornar-se efectivo senão por meio de acção proposta em território português ou haja dificuldade razoável na propositura, pelo autor, da acção no estrangeiro. Também achamos que um grande número de acções administrativas se haverá de reconduzir a esta situação.
Ou seja, da conjugação destas duas alíneas, poucas hão-de ser, esperemos, as situações que escapem às regras processuais civis, ficando assim a questão definitivamente resolvida.
Mas e se por um qualquer infortúnio, um litigio suscitado se encontrar na “zona cinzenta” que escape a estes trâmites e nos encontrarmos forçosamente de volta à aplicação dos arts. 16 e ss. do CPTA?
Neste caso, apenas encontramos resposta na Dupla Funcionalidade das regras de competência interna proposta entre nós por MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA.
Esta teoria sofreu grande desenvolvimento na Alemanha, em virtude de não existirem então, regras de conflitos de competência. Sucintamente, ela elucida-nos que, se na aplicação de uma regra de competência territorial se determinar um tribunal competente, esse tribunal também é internacionalmente competente[4]. Então, tal como explica PAULA COSTA E SILVA[5], na aplicação dos art. 16º e ss. do CPTA podemos contar, sem qualquer obstáculo à teoria da dupla funcionalidade e considerar internacionalmente competente o tribunal que for considerado territorialmente competente.
De facto, esta teoria da dupla funcionalidade foi criada exactamente para precaver os casos de lacuna que existissem na lei, como é o caso da competência internacional na jurisdição administrativa, pelo que abraçamos entusiasticamente a solução.
Porém, a título final, acrescentamos somente que não concordamos com a autora quando conclui que pela teoria da dupla funcionalidade, se torna desnecessário que se apliquem os art. 62º e 63º (ex-65º e 65º-A do CPC). A teoria da dupla funcionalidade não deixa de ser um exercício sobretudo teórico que só é aplicado em último recurso, maxime “desespero” perante o silêncio da lei. Por outro lado os art. 62º e 63º do CPC foram especialmente designados para a regulação de competência internacional, pelo que qualquer exercício que vise determinar tal competência terá forçosamente, e antes de tudo, de passar pelos seus trâmites por via da remissão operada pelo art. 1º do CPTA.
[1] MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos sobre o Novo Processo Civil, LEX 1997
[2] Ac. TCA Sul 2/2/2012, proc. 08349/11, disponível em www.dgsi.pt
[3] No mesmo sentido, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA / FERNANDES CADILHA, Comentário ao Código de Processo dos Tribunais Administrativos.
[4] No mesmo sentido, PAULA COSTA E SILVA, Jurisdição e competência Internacional nos Tribunais Administrativos
[5] ibidem
Bibliografia:
JOSÉ VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa (Lições), 10ª Edição, 2009.
MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, O novo regime do processo nos tribunais administrativos, 4ª edição, 2005
VASCO PEREIRA DA SILVA, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, 2ª Edição, Almedina, 2009, Lisboa
Com a Reforma do Contencioso Administrativo, ocorrida entre 2002/2004, é evidente que podemos falar em várias inovações. Uma delas, inequivocamente, foi a que se espelhou no atual art.º 44º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA). Dispõe o referido art.º :
“Artigo 44º
Fixação de prazo e imposição de sanção pecuniária compulsória
Nas sentenças que imponham o cumprimento de deveres à Administração, o tribunal tem o poder de fixar oficiosamente m prazo para o respectivo cumprimento que, em casos justificados, pode ser prorrogado, bem como, quando tal se justifique, o poder de impor sanção pecuniária compulsória destinada a prevenir o incumprimento, segundo o disposto no artigo 169 º ”
Embora este mecanismo já se encontre consagrado no sistema alemão há quase quarenta anos[1], a par da sua existência no sistema francês há cerca de trinta[2], certo é que a sua introdução no contencioso administrativo português já vinha sendo reclamada muito antes da Reforma de de 2002/2004, não faltando quem defendesse que a mesmas poderia “representar um passo muito positivo no aperfeiçoamento do sistema português de garantias contra as inexecuções ilícitas de sentenças dos tribunais administrativos” [3], permitindo, desse forma, superar dificuldades, de outro modo virtualmente inultrapassáveis, que se colocavam em domínios de infungibilidade da atuação administrativa. Desse modo, a introdução deste mecanismo vem a ser proposta no “Projecto de Código do Contenciso Administrativo”, que foi elaborado por uma comissão presidida pelo Professor FREITAS DO AMARAL, em 1992 [4]. Inexplicavelmente, porém, esta proposta acabou por ser abandonada.
No entanto, e conforme se disse, felizmente este erro vem a ser corrigido em 2002. A partir daqui, ficou finalmente consagrado, no nosso contencioso administrativo, o poder de os tribunais administrativos imporem sanções pecuniárias compulsórias aos titulares dos órgãos administrativos obrigados a cumprir determinações judiciais. Mas em que consiste esse poder? Qual o seu fundamento? E como pode ser exercido? Eis o que pretendemos responder ao longo desta exposição.
Embora as sanções pecuniárias compulsórias não sejam exclusivas do processo de execução de sentenças, é nesta área, porém, que adquirem um maior relevo. Em primeiro lugar, é sempre necessário referir que não é pelo facto de estar consagrada expressamente no seio do contencioso administrativo que esta figura perde a sua dualidade característica: assim, a sanção pecuniária compulsória trata-se, em primeira linha, de uma medida coercitiva, de carácter patrimonial (astreinte), destinada a pressionar ou provocar o cumprimento voluntário do devedor – no caso, compelir a Administração ao cumprimento pontual das obrigações e deveres que lhe forem determinados judicialmente - , seguida de uma sanção pecuniária, em caso de incumprimento pontual. Este segundo momento, diga-se, é eventual porque, precisamente, só surge na sequência do incumprimento desses deveres no prazo judicialmente fixado para o efeito – a acontecer, a cominação ou medida coercitiva converte-se automaticamente numa sanção pecuniária (de valor fixado pelo Tribunal) que impenderá diariamente sobre o devedor, até efetivo cumprimento da obrigação imposta pelo tribunal [5].
Desta maneira, podemos já afirmar que a referida figura não constitui uma medida executiva: aliás, se atentarmos no art.º 66º, n.º 3 do CPTA[6] percebemos que, quando cominada no processo declarativo, a sanção pecuniária compulsória visa até evitar um processo de execução. E diga-se que o regime objecto de analise nesta exposição também não se confunde com as medidas subrogatórias – que realizam uma execução indireta -, nem tem um caráter repressivo, uma vez que a sanção não é aí concebida como uma finalidade, mas como uma condição de eficácia.
A primeira grande pergunta que poderá ser feita a propósito das sanções pecuniárias compulsórias em Processo Administrativo para o cumprimento de sentenças judiciais é a de saber qual é o fundamento substancial para a aplicação das mesmas, já que resulta da lei que estas devem ser impostas pelo juiz “quando tal se justifique” (art.º 3.º, n.º 2, CPTA). Como bem refere VIEIRA DE ANDRADE, parece não haver dúvidas de que a finalidade principal será a de “assegurar a efetividade das decisões judiciais, não tanto para o prestígio dos tribunais, mas no pressuposto da realização da justiça material e, na esfera administrativa, em especial, da garantia da tutela efetiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares perante a Administração” [7]. Este raciocínio é facilmente compreensível dado que é do interesse da própria Administração dar cumprimento ao mandato inserido no art.º 205º, n.º 2, da CRP, traduzido no princípio da obrigatoriedade e da proeminência das decisões judiciais. Assim, e falando em termos executivos, a finalidade será, pois, a de conseguir a execução específica da sentença.
Outra questão que neste ponto se pode colocar é a que se relaciona com os pressupostos objetivos da imposição da sanção. A lei determina, de uma maneira geral, que a sanção deve ser aplicada quando haja incumprimento de deveres que o juiz imponha à Administração. Ora, se assim é, então isso significa, em princípio, que se tratará de sentenças que tenham um conteúdo de condenação ou de intimação. Desta forma, só nos resta concluir, com VIEIRA DE ANDRADE[8], que não pode haver imposição de sanções compulsórias para o cumprimento de sentenças de anulação de atos administrativos, desde logo porque não há aí uma verdadeira condenação[9]. Relativamente a essas sentenças, a sanção só será admissível no próprio processo de execução, quando, de acordo com o art.º 179º, n.º 3, o juiz especifique os atos e operações que devem ter lugar para que a sentença anulatória seja integralmente executada.
Uma penúltima questão, no que concerne ao regime geral desta figura, prende-se em saber se a imposição de sanções pecuniárias compulsórias pode acontecer em todas as sentenças condenatórias, ou, como acontece no direito civil, só quando digam respeito a prestações de facto infungível. A meu ver, e mais uma vez seguindo VIEIRA DE ANDRADE[10], parece não haver fundamento para restringir a aplicação da sanção às situações de infungibilidade. Na verdade, nada há na lei processual administrativa que possa ser invocado no sentido dessa mesma restrição, bem pelo contrário: é certo que por vezes se privilegia a aplicação de sanções compulsórias em situações de infungibilidade, como no art.º 127º, n.º 2, para decisões cautelares, mas, por outro lado, não é despiciendo dizer que os artigos 44º e 59º são genéricos e não específicos (leia-se, limitativos à infungibilidade). Para além disso, nada nos impede de afirmar que, por exemplo, o próprio art.º 110º, que prevê a intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias, pode referir-se a operações fungíveis, tal como o art.º 179º (já referido), no que concerne à especificação na execução de sentença anulatória, pode respeitar a quaisquer atos ou operações. Logo, parece de reiterar o raciocínio exposto supra de que não há fundamento para restringir a aplicação da figura em análise às situações de infungibilidade.
Por último, resta ainda fazer uma pergunta: será que existe uma possibilidade de o tribunal fixar uma sanção pecuniária compulsória para o incumprimento de deveres constantes não de sentenças, mas de despachos seus, ou, até, de deveres processuais ex lege? Será que podemos encontrar uma base legal no art.º 3º, n.º 2 do CPTA? Ou deve entender-se que tem de haver uma discriminação das situações em que isso pode acontecer, tal como o legislador fez no artigos 84º, n.º 4 e 115º, n.º 4, ambos do CPTA? A meu ver, se há essa previsão neste dois últimos referidos artigos, então é porque o legislador não tinha em mente, aquando da feitura dos mesmos, limitar esta questão apenas a esses dois casos. Na verdade, não nos podemos esquecer que as partes também estão obrigadas ao cumprimento dos despachos emitidos pelo tribunal: se assim não fosse, então a própria justiça material da decisão estaria sistematicamente posta em causa, o que desde logo poderia pôr em risco a própria tutela jurisdicional efetiva. Ora, se repararmos, são estes dois “valores” que agora acabam de ser referidos – justiça material e tutela jurisdicional efetiva – que presidiram à instituição do mecanismo que está a ser analisado neste trabalho. Que é o mesmo que dizer que, sendo assim, parece ser possível encontrarmos fundamento para a aplicação da sanção pecuniária compulsória nos casos em que estejam em causa situações que possam pôr em risco a decisão do processo (ou o seu sentido), tendo como base o art.º 3º, n.º 2 do CPTA, já referido [11].
III – A sanção pecuniária compulsória e as suas especificidades em Contencioso Administrativo
Feita a exposição sobre o regime das sanções pecuniárias compulsórias em contencioso administrativo, não nos podemos esquecer da grande e principal influência desta figura: é que, efetivamente, a sanção pecuniária compulsória do CPTA é similar, em vários aspetos, à do 829º-A do Código Civil (CC), como sucede, por exemplo, pelo facto de ela ser aplicável sem prejuízo da eventual indemnização que caiba ao caso. Mas se é certo que pode haver complementaridade entre os dois regimes, não se pense, porém, que as diferenças não existem, bem pelo contrário, senão vejamos:
i. Desde logo, como já foi referido anteriormente, as sanções pecuniárias do CC restringem-se às obrigações de prestação de facto infungível (com as devidas exceções aí contidas), enquanto que as do CPTA valem para toda a espécie de obrigações: as de prestação de facto infungível (veja-se a orientação adotada supra) e as de prestação de facto fungível ou de coisa;
ii. Em segundo lugar, as sanções pecuniárias do CC dependem de requerimento do credor (veja-se o referido art.º 829º-A, n.º 1, do CC), enquanto as “administrativas” podem ser decretadas oficiosamente pelo tribunal (art.º 3º, n.º 2 do CPTA);
iii. Em terceiro lugar, enquanto as sanções do CC recaem sobre a pessoa do devedor (e oneram o seu património), as do CPTA têm como destinatários as pessoas singulares titulares ou membros do órgão faltoso (art.º 169º, n.º1 e 3), não recaindo, portanto, “sobre o património do devedor”, mas sobre o património do indivíduo que “representa” o devedor ou lhe administra os bens e interesses.
Assim sendo, é inequívoco que a sanção pecuniária compulsória em contencioso administrativo vai ser influenciada, fortemente, pelo correspetivo regime civil, embora se deva sempre entender esta afirmação com a devida cautela, dadas as diferenças acabas de enunciar.
Importante é, também, o ponto iii supra enunciado. Na verdade, numa óptica subjetiva, as sanções compulsórias apresentam, no mundo administrativo, uma especificidade, que se manifesta na circunstância de ela não recair sobre o Estado ou os entes públicos, mas sobre os titulares dos órgãos incumbidos da execução – que é o mesmo que dizer, repita-se, de não recair sobre o património do “devedor”, mas sobre o património do indivíduo que “representa” o devedor ou lhe administra os bens e interesses. Isto implica, consequentemente, uma identificação individual dos responsáveis pelo cumprimento das sentenças. Diga-se, desde já, que a opção aqui tomada pelo legislador é de aplaudir. Na realidade, esta diferença de regime em relação à “sanção civil” é perfeitamente compreensível, desde logo pela diferença de natureza que existe entre o devedor civil e o devedor administrativo, mas principalmente pelo facto de se conseguir garantir a eficácia da medida compulsória no “mundo administrativo”, que, aponte-se, seria muito menor se ela recaísse sobre a própria pessoa coletiva pública. Além do mais, aquela identificação individual de que se falava supra acontece, precisamente, porque a falta aqui em causa tem, em princípio, um cariz mais pessoal do que funcional, o que também justifica a diferença de tratamento em relação à figura em causa no plano do CC.
Esta pessoalização da sanção pecuniária compulsória em Processo Administrativo leva-nos a outro ponto não menos importante: é que na lei, sobretudo nos artigos 3.º, nº 2 e 169º do CPTA, a figura da sanção pecuniária compulsória tem como destinatária, tal como vimos, a Administração, ou seja, os titulares do membro do órgão administrativo faltoso. Mas e os administrados, quando sejam eles alvo de uma condenação judicial – como acontece, por exemplo, com o contraente da Administração - , também poderão ser alvo de uma medida compulsória, complementar da sua condenação judicial? A meu ver, e apoiando-me em ESTEVES DE OLIVEIRA, parece que não. É que o tribunal administrativo, para compelir particulares ao cumprimento dos deveres ou obrigações que lhes imponha, dispõe dos meios normais de execução de sentenças judiciais. Perante um sujeito como a Administração é que o reforço dos poderes de compulsão do tribunal com vista a assegurar a efetividade da tutela jurisdicional se justifica mais e melhor. Desta forma, parece defensável a posição que entende que a cominação de medidas pecuniárias compulsórias pelos tribunais administrativos se deve limitar ao sujeito Administração. Só assim não será, evidentemente, nos casos especialmente previstos na lei, como sucede na intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias (artigos 109º, n.º 2 e 110º, n.º 5 do CPTA).
A imposição, a fixação do montante e a liquidação são da competência do juiz, que, tal como no sistema francês, a exerce oficiosamente e não, como é determinado no CC, a requerimento do credor, embora este também possa solicitar posteriormente a liquidação nos termos do art.º 169º, n.º2. Nos termos deste último artigo também percebemos que o montante, que há de ser fixado segundo critérios de razoabilidade, é diário e pode oscilar entre 5 e 10% do salário mínimo nacional mais elevado. Um aspecto bastante importante a salientar neste parágrafo é o facto de, embora não resultar com clareza da lei, dever haver um mínimo de procedimentalização no que concerne a este tipo de sanções, traduzida na audiência prévia, na exigência de fundamentação e na possibilidade de oposição do interessado à liquidação. E será que também é de admitir a garantia de recurso? No fundo, e se o dissecarmos bem, este ato representa uma sanção individualizada, o que parece dar guarida à possibilidade de admissão recurso. Embora não esteja expressamente referida na lei (nomeadamente no art.º 142º, nº 2 CPTA), podemos afirmar que este necessidade decorre dos princípios gerais, nomeadamente aqueles espelhados na alínea b) do n n.º 3 do referido art.º 142º, que determina a obrigatoriedade do recurso de decisões proferidas em matéria sancionatória.
A sanção cessa com a execução integral ou com a desistência do pedido de execução, se bem que a lei determina, também, essa cessação no caso de impossibilidade subjetiva, quando o destinatário tenha cessado ou sido suspenso das respetivas funções (artigo 169º, n.º 4 CPTA).
IV – Breve excurso: o cumprimento de sentenças ao nível do Direito da União Europeia
Como dissemos supra, aquando da sua consagração no contencioso administrativo português, o regime da sanção pecuniária compulsória para o cumprimento de sanções não era de todo estranho para a maioria da nossa doutrina. Não só pela sua existência já ao nível dos ordenamentos jurídicos alemão e francês, mas também pela consagração de um regime semelhante ao nível do Contencioso da União Europeia.
Efetivamente, o então art.º 258º do Tratado que institui a Comunidade Europeia (TCE)[12] dispunha que o processo por incumprimento – meio contencioso específico da Ordem Jurídica da UE destinado a aferir da conformidade do comportamento estadual, por ação ou omissão, com o DUE[13] – tinha uma vocação dupla. Com efeito, podia (e pode) ter lugar não apenas um primeiro processo por incumprimento mas também um segundo processo desse género. Aqueles, destinados a fazer declarar o incumprimento, por um Estado-Membro, de uma qualquer obrigação decorrente do DUE; os segundos, destinados a fazer declarar o incumprimento de uma específica obrigação decorrente do DUE – a obrigação de executar ou cumprir um acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) proferido numa primeira ação por incumprimento. Já aqui notamos uma diferença relativamente ao nosso regime nacional: na verdade, o legislador português decidiu cumular estes dois aspetos num só, isto é, precludiu da propositura de uma segunda ação, por parte do lesado, com o objetivo de provocar o cumprimento dos deveres inerentes à sentença pela aplicação de uma sanção pecuniária compulsória. De facto, a possibilidade de aplicação desta sanção ocorre logo com o proferimento da própria sentença (como se depreende do próprio art.º 44º), sendo que é aí que o tribunal pode fixar um prazo para o cumprimento da mesma, que, a ser expirado, pode levar à aplicação da sanção pecuniária compulsória. E diga-se que esta, também ao contrário do que acontece no DUE, pode logo ser imposta antes de se verificar situação de incumprimento, só valendo nesse caso, no entanto, para o futuro.
Ao nível do DUE esta componente sancionatória, típica entre nós, só surgiu, à, partida, na segunda ação por incumprimento[14], embora com o Tratado de Lisboa veja o seu alargamento à primeira ação por incumprimento, ainda que em moldes limitados. Assim, agora, de acordo com o art.º 260º TFUE, o TJUE pode aplicar aos Estados-Membros, em caso de verificação do incumprimento estadual, em primeiro (em moldes limitados) ou em segundo grau, uma sanção pecuniária de quantia fixa ou progressiva ou – pelo menos na segunda ação por incumprimento da obrigação de execução de acórdão anterior proferida numa primeira ação – uma sanção de quantia fixa e progressiva. Esta última assemelha-se, pois, à nossa sanção pecuniária compulsória, embora seja bom de lembrar que, tal como dissemos acima, a possibilidade da sua aplicação não está dependente da propositura de uma segunda ação, podendo ser (ou melhor, devendo ser) imediatamente aplicada na primeira (e única, diga-se) ação que corre termos no tribunal.
Conclui-se assim pela importância deste meio específico do contencioso da União Europeia para o nosso contencioso administrativo, embora o contexto em que os mesmos operem seja absolutamente diferente, o que justifica, claro, as diferenças supra apresentadas.
V – Conclusão
É por demais evidente a importância que o mecanismo que foi analisado neste trabalho tem atualmente. Não só porque é uma forma de garantir a justiça material e a tutela jurisdicional efetiva dos particulares, mas principalmente porque é um meio de garantir o respeito da lei, e consequentemente, do Estado de Direito. Embora a sanção pecuniária compulsória para o cumprimento de sentenças tenha tido fortes influências do regime civil (bem como algumas do DUE), certo é que ela apresenta particularidades que a tornam única no Processo Administrativo. Trata-se, no fundo, de uma “inspiração” (ou melhor, motivação por força da constatação) feliz do legislador, e cujo efeito dissuasor permite que as sentenças administrativas sejam cumpridas rapidamente pelos seus destinatários e por todos aqueles que a ela estejam obrigados. Numa época em que se fala tanto da “morosidade da Justiça” (ou adaptado para o nosso contexto, na morosidade do cumprimento de sentenças), parece que este mecanismo é um excelente meio de a combater. E se César chegou, viu e venceu, então em Processo Administrativo também chegava...mas ouvia e cumpria.
Por: Afonso Brás, subturma 5
Bibliografia:
- DIOGO FREITAS DO AMARAL, A execução das sentenças dos tribunais administrativos, 2ª ed., Coimbra, 1997;
- MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA e RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, Código de Processo nos Tribunais Administrativos: Estatuto dos tribunais administrativos e fiscais: anotado, vol. I, Almedina, 2006;
- JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa (Lições), 8.ª ed., Coimbra, 2006;
- MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Tutela declarativa e executiva no contencioso administrativo português, in Cadernos de Justiça Administrativa, nº 16 (2009);
- MARIA JOSÉ RANGEL DE MESQUITA, Introdução ao Contencioso da União Europeia, 1.ª ed., Coimbra, 2013.
[1] Cfr., o §172 da VwGO (de 1960).
[2] Diga-se que em França a lei concedera esse poder ao Conseil d’État a partir de 1980, emora só tenha sido especificado por decretos de aplicação de 1981 e 1988.
[3] Cfr., DIOGO FREITAS DO AMARAL, A execução das sentenças dos tribunais administrativos, 2ª ed., Coimbra, 1997, pp. 30 e ss.
[4] De acordo com o então proposto art.º 238º do referido Projeto, quando tivesse verificado a ocorrência de uma inexecução ilícita de uma sentença, o tribunal poderia, a requerimento do interessado, impor as titulares dos órgãos competentes para a execução uma medida compulsória que seria imediatamente notificada aos seus destinatários e começaria a ser contabilizada no dia seguinte ao da notificação. A medida compulsória só cessaria quando se mostrasse ter sido realizada a execução integral da decisão em causa, quando o interessado desistisse do pedido, ou quando o cumprimento da decisão já não pudesse ser realizado pelos destinatários da medida, por causa de cessação ou suspensão das respetivas funções.
[5] Cfr., MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA e RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, Código de Processo nos Tribunais Administrativos: Estatuto dos tribunais administrativos e fiscais: anotado, vol. I, Almedina, 2006, p. 127.
[6] Que refere, expressamente, que a sanção é “destinada a prevenir o incumprimento”.
[7] Cfr., JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa (Lições), 8.ª ed., Coimbra, 2006, p. 430.
[8] Idem, p. 431
[9] Parece também ser este o entendimento de MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Tutela declarativa e executiva no contencioso administrativo português, in Cadernos de Justiça Administrativa, nº 16 (2009), passim.
[10] Cfr., ob. cit, , p. 433.
[11] Parece também ser este o entendimento de MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA e RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, ob. cit., p. 129.
[12] Atual art. º 260º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE)
[13] Cfr., MARIA JOSÉ RANGEL DE MESQUITA, Introdução ao Contencioso da União Europeia, 1.ª ed., Coimbra, 2013, pp.145 e ss.
[14] Tendo sido exercida, pela primeira vez, no Ac. TJ, 4.07.2000, Comissão c. Grécia, Proc. C-387/87.
No contexto da problemática que se pretende aqui analisar cabe, primeiramente, desenvolver a temática relativa ao conteúdo do art. 71º CPTA, enquanto “pedra de toque”[1] do novo instituto da condenação à prática de actos administrativos, artigo este que se foca na delimitação dos poderes de pronúncia do Tribunal, no domínio da condenação à pratica de actos administrativos. É neste sentido que os Professores Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha advogam que o artigo em questão coloca alguma das questões mais complexas e delicadas de todo o CPTA.
Feita esta breve introdução, inserimo-nos agora no sentido, em moldes gerais, do nº1 do artigo em análise, subsumindo-se este ao facto de o Tribunal não se pronunciar sobre a pretensão material do interessado, apenas nos casos em que a Administração já o tenha feito, emitindo um acto administrativo sobre o mérito dessa pretensão. O Tribunal tem também de se pronunciar sobre a pretensão material do interessado, mesmo quando a Administração tenha permanecido em silêncio ou, pura e simplesmente, recusado a apreciação do requerimento que lhe foi apresentado.
O propósito do preceito é, assim, o de afastar a lógica revisora, própria dos processos de cassação, na medida em que, como o esclarece o art. 66º nº2 CPTA [2], é sobre a pretensão do interessado que o Tribunal se deve pronunciar, o que se traduz na rejeição da emissão, nesta sede, de meras sentenças de anulação ou de declaração de nulidade de actos administrativos. Assim, pelo facto de estarmos perante um processo de plena jurisdição, o Tribunal tem, nestes termos, de terminar, sempre que seja julgado procedente, com uma sentença de condenação à prática de um acto administrativo.
Importa, em seguida, analisar especificamente o âmbito que aqui nos propusemos discutir: sentido e alcance do 71º nº2 CPTA. Neste contexto, a pretensão da norma em causa versa sobre o propósito de estabelecer um conjunto de parâmetros ou de linhas orientadoras, identificando os grandes tipos de situações com que o Tribunal se pode ver confrontado, quando for chamado a condenar a Administração à prática de um acto administrativo. Assim, o alcance com que deve ser entendido o referido preceito (bem como as disposições paralelas dos arts. 95º nº3, 168º nº2 e 179º nº1, todos do CPTA) consiste no facto de, quando esteja em causa o exercício de um poder discricionário (o qual abrange margem de livre apreciação, preenchimento de conceitos indeterminados e prerrogativa de avaliação), o juiz não pode substituir-se à Administração na determinação do sentido concreto da decisão a adoptar, devendo, pois, limitar-se a uma condenação genérica, na medida em que o perfil de controlo da legalidade dos actos da Administração pelos Tribunais Administrativos rege-se pela imperatividade do princípio da separação de poderes (3º nº1 CPTA, art. 133º nº2 a) CPA e art. 31º CRP) [3].
Torna-se, neste âmbito, pertinente referir que, como observa Maria Francisco Portocarrero[4], o controlo jurisdicional do exercício administrativo de poderes discricionários é um controlo externo e negativo, que permite ao Tribunal verificar se ocorreu a violação de normas ou princípios jurídicos que condicionavam a actuação administrativa e analisar o modo de proceder administrativo, com a finalidade de detectar a existência de erros graves ou manifestos. Assim, colocando-se numa posição externa, o Tribunal, perante o resultado e fundamentação apresentados, poderá recusar a solução adoptada se ela violar os cânones de razoabilidade e racionabilidade básicos, em termos jurídicos e de senso comum. Desta feita, não poderá efectuar, pela positiva, a definição do caso concreto, substituindo-se à Administração na ponderação das valorações que integram a margem de livre apreciação. Contudo, há que ter em conta as situações, a que o art. 71º CPTA faz referência expressa, de redução da discricionariedade a zero, em que apenas seja possível identificar uma solução como legalmente possível [5].
Nestes moldes, importa mencionar as conclusões oportunas, que se inserem no contexto da temática em análise, do Acórdão do STA (Pleno) de 27/01/2008 (P. 269/02), as quais se traduzem na explicitação de os Tribunais não se poderem substituir às entidades públicas na formulação de valorações que, por envolverem apenas juízos sobre a conveniência e oportunidade da sua actuação, se inscrevem no âmbito próprio da discricionariedade administrativa, e, por isso, a sua sindicância judicial tem de se arquitetar pela análise do cumprimento das normas e dos princípios jurídicos que vinculam a Administração[6], bem como pela verificação da decisão, nos casos em que esta tenha sido assente em erro patente ou critério inadequado.
Encontramo-nos então, finalmente, em condições para concretizar a supra temática exposta, no âmbito do litígio em causa no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (2º juízo) de 21-02-2013 (P. 06303/10) (http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/f507f9a64b82245c80257b1f00341023?OpenDocument).
Nestes termos, o caso em questão consiste no facto de a Ordem dos Advogados (adiante OA) ter interposto recurso da sentença do Tribunal Central Administrativo de Lisboa, o qual julgou procedente a acção intentada por T. (autora), anulando o acto de recusa de anulação (do pretenso erro imputado à formulação de uma questão objecto de avaliação no exame da OA), com fundamente em vício de lei (pois T. invoca que a matéria em causa na questão em concreto não está prevista na Comissão Nacional de Estágio e Formação, sendo este o órgão com competência para definir e publicar as regras sobre o procedimento das provas a realizar), e determinando os procedimentos necessários à repetição da prova (na medida em que T., por não ter respondido à questão em discussão, por alegar que o conteúdo temático da mesma não se inseria nas matérias objecto de avaliação descritas nos programas da formação na 1ª e 2ª fases de estágio, obteve o resultado, no exame final de agregação, de “Reprovada”).
O Tribunal, em 1ª Instância, condenou, então, a OA a admitir T. à realização de novo exame, alegando a OA que tal extravasou os poderes de pronúncia (consagrados no art. 71º nº2 CPTA), competindo com a margem de livre discricionariedade de tal associação pública profissional. Postula, por fim, que deveria ser esta a optar livremente pela solução que, no seu entender, melhor se ajustasse ao caso concreto.
Equaciona-se outra hipótese possível, consistindo esta na redistribuição da cotação do item viciado, proporcionalmente por todos os restantes itens da prova, tal como o Recorrente sustentou na sua contestação. A OA sustenta que esta seria a solução que melhor garantia a justeza ao nível da nota final (no sentido em que a cotação daquela questão não seria igual para todos, variando em função da classificação de cada um no resto da prova), bem como a que melhor respeitaria o princípio da igualdade de tratamento de todos os formandos.
Em relação à decisão do TCAS, este determinou, como foi acima exposto, que a realização de novo exame não extravasou os poderes de pronúncia do mesmo, pelo facto de se inserir no âmbito da valorização do princípio de plena jurisdição dos tribunais (art. 3º nº1 CPTA). Considera, assim, que está em causa um erro procedimental grosseiro (quanto ao facto da matéria relativa a recursos ter sido excluída do exame nacional de avaliação e a prova escrita em questão conter uma pergunta relativa a tal matéria), em que a Recorrida, por não ter respondido a tal questão, obteve zero pontos, o que teve reflexos na sua pontuação final (nomeadamente, traduzindo-se no resultado de “Não Aprovada”), constituindo uma violação dos preceitos constitucionais, presentes nos arts. 3º, 13º nº1, 47º e 266º CRP, bem como dos do CPA, expressos nos arts. 3º nº1, 4º e 5º CPA.
Assim, nestes moldes, o TACS advoga que a iniciativa deve ser dada à Recorrida (T.), que pede à OA a conduta indispensável para assegurar o exercício do referido direito, o qual pode consistir ou na atribuição da cotação total à questão em discussão ou noutra solução, tal como a repetição da prova escrita ferida de vício. É neste sentido que o TACS, como supra explicitado, postula que esta será a hipótese mais adequada, por ser insusceptível de invadir a área de discricionariedade técnica da OA (pois, se adoptássemos a primeira solução, tal traduzir-se-ia numa substituição, por parte do Tribunal, face ao avaliador, invadindo a sua esfera técnica e gerando uma situação de desigualdade face aos demais examinandos), bem como a que se mostra mais propícia a repor a situação de ilegalidade.
Tendo em conta os argumentos frisados, a entidade demandada (OA) deve, então, proceder aos trâmites necessários à repetição da prova escrita, por parte da Autora (T.), confirmando o que foi proferido na sentença em 1ª Instância.
Bibliografia:
Ana Margarida Barahona
Nº 19479
[1] In “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, 3ª edição, Almedina, Coimbra, página 467.
[2] Relativamente a este artigo cabe, ainda, referir que, mesmo quando esteja em causa um acto de indeferimento, deve entender-se que o processo se dirige, não à anulação contenciosa desse acto, mas à condenação da Administração na prática de um acto que, em substituição daquele, se pronuncie sobre o caso concreto ou dê satisfação ao interesse pretensivo do autor. Assim, como decorre do segmento final deste nº 2, não é necessário que o autor formule um concreto pedido de anulação do acto de indeferimento nem que o juiz anule ou declare nulo ou inexistente esse acto. Desta feita, depreende-se que, das disposições conjugadas dos arts. 66º nº2 e 71º nº1, ambos do CPTA, o objecto do processo de condenação define-se pela posição subjectiva de conteúdo pretensivo que o autor invoca (In “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, 3ª edição, Almedina, Coimbra, página 439 e 440).
[3] Acerca deste princípio, o Professor Vieira de Andrade (in “A Justiça Administrativa – Lições”, 2011 – 11º edição) postula que, apesar de nos encontrarmos no seu limite, deve-se entender que este princípio não é violado se o Tribunal, não obstante limitar a Administração, lhe deixar mais do que uma opção.
[4] Maria Francisco Portocarrero, “Aferição judicial ad extra da legalidade do exercício administrativo discricionário – posição de princípio?”, em anotação ao Acórdão do STA de 6/12/2006, in CJA nº 66, página 34.
[5] Importa, neste contexto, salientar que, como refere o Professor Vieira de Andrade (in “A Justiça Administrativa – Lições”, 2011 – 11º edição, página 208), o CPTA fica-se pela formulação do limite, ao determinar que, quando o conteúdo do acto a praticar não seja estritamente vinculado, seja por a lei não impor uma única solução, seja por esta não resultar, no caso concreto, de uma eventual “redução da discricionariedade a zero”, o juiz terá de limitar-se a uma condenação genérica, com as indicações vinculativas que puder retirar das normas jurídicas aplicáveis, sem pôr em causa a autonomia da decisão do órgão administrativo.
[6] Enquanto princípios que enformam a actividade administrativa, cabe frisar os princípios da legalidade (art. 3º e 124º nº1 d), ambos do CPA, e 266º nº2 CRP), da justiça (art. 6º CPA e arts. 266º nº2 e 268º CRP), da igualdade (art. 5º CPA e art. 13º CRP), da proporcionalidade (art. 5º CPA e art. 18º nº2 CRP) e da prossecução do interesse público (art. 4º CPA e art. 266º nº1 CRP).
As providências cautelares têm o seu regime consagrado nos artigos 112.º a 134.º do CPTA.
O principal objetivo da providência cautelar é cautelar a tutela efetiva das posições subjetivas relacionadas com a emissão de atos administrativos, o que significa que assegura a utilidade da ação principal. O nosso código consagra o princípio de que todo o tipo de pretensões pode ser objeto de um processo principal, logo todas elas poderão comportar providências cautelares. Esta ideia pode ser retirada do artigo 112.º, à qual o Professor Mário Aroso de Almeida denomina de cláusula aberta. Deste modo respeitamos o artigo 268.º/4 da Constituição da Republica Portuguesa que consagra o princípio de tutela jurisdicional efetiva em matéria cautelar. O particular tem assim um leque variado de providências cautelares ao seu dispor, requerendo a mais proveitosa para a situação que pretende acautelar. Este tipo de ação tem muita importância, dado que acautela o direito de um particular no período de tempo até à sentença final da administração, o que reduz o prejuízo na esfera daquele.
É importante fazer, desde já, uma destrinça entre providências cautelares e os processos urgentes. Nas primeiras o que se pretende é uma tutela provisória, ao passo que nas segundas, estará já em causa uma tutela definitiva porque a decisão é definitiva. Os processos urgentes não são instrumentais a nenhum outro processo e não se satisfazem com a apreciação sumária dos factos e do direito. A única semelhança entre os dois é a necessidade de uma tramitação rápida.
1. Antigo regime
Antes da reforma existiam bastantes lacunas nesta matéria, pois como é sabido por nós, antes da entrada em vigor do novo código, só seria admissível o recurso de anulação de atos administrativos e não se permitia que os Tribunais condenassem a Administração à prática de atos administrativos devidos. Consequentemente, o regime da providência cautelar também padecia de lacunas por se focar no instituto da suspensão da eficácia de atos administrativos.
No antigo regime a providência cautelar apenas se tornava eficaz nos casos em que o “interessado se opõe a uma inovação de conteúdo lesivo que tenha sido introduzida por um ato de conteúdo positivo”[1]. Pelo contrário, nos casos em que está em causa uma pretensão, a providência é incapaz de produzir efeitos, por não existir nenhuma tutela efetiva a acautelar.
2. Características
3. Critérios de que depende a atribuição das providências
Vem previsto no artigo 120.º/1, a) quando refere que a providência cautelar deve ser decretada “quando seja evidente a procedência da pretensão formulada”. Assim vem o CPTA estipular um critério de juridicidade à categoria de elemento preponderante da tutela cautelar. Trata-se de um mecanismo que será aplicável a todas as categorias de providências cautelares, salvo se o contrário resultar de disposição especial.
Nesta circunstância o tribunal terá o encargo de avaliar o pedido, o que significa que terá de analisar a existência do direito invocado naquele pedido. Essa verificação basta-se com a prova da mera aparência do direito. Assim, o particular deverá apresentar indícios suficientes de existência de um direito seu contra a Administração.
No artigo 120.º/1, a) basta-se com a evidência no que respeita à viabilidade de procedência da ação principal, na alínea b) basta-se com a possibilidade dessa viabilidade e na alínea c) exige-se um juízo de probabilidade da procedência da ação principal.
Como referido, a tutela cautelar de processo administrativo encontra a sua razão de ser na necessidade de preservar a utilidade da sentença a proferir num out r o processo, onde s e dirimir á com certeza e segurança o litígio: a providência cautelar visa remover “o perigo resultante da demora a que está sujeito um outro processo (o processo principal ), ou, por outras palavras , o perigo derivado do caminho, m ais ou menos longo, que o processo principal tem de percorrer até à decisão definitiva”[3].
Este requisito vem consagrado no artigo 120.º/1, b) e c) quando refere “fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente” visa assegurar ou pretende ver reconhecidos no processo principal.
Como é que vamos averiguar a existência deste requisito? Não tem cabimento a exigência de prova completa dos factos constitutivos do justo receio de constituição de facto consumado ou de produção de prejuízo de difícil reparação, uma vez que não estão apenas em jogo relações entre privados, podendo, como aferido, estar também em jogo interesses públicos, interesses coletivos e interesse privados convergentes em grande numero, os quais podem ser prejudicados com a inutilidade da sentença gerada pela inutilidade da própria providencia cautelar. O requisito relativo ao periculum in mora há-de ser aferido em função das circunstâncias concretas, sem que se possa afirmar em abstrato a necessidade de certeza. O juiz terá de fazer um juízo de prognose de uma futura lesão.
4. Categorias
As providências poderão ser antecipatórias ou conservatórias. Serão antecipatórias quando pretendem obter uma prestação administrativa que poderá envolver a prática de atos administrativos. Será conservatória quando se pretenda manter ou conservar um direito em perigo, evitando que seja prejudicado por qualquer tipo de medida que possa ser adotada pela administração.
Estando em causa a adoção de uma providência do segundo tipo apresentada, para a prova da mesma terá de se preencher o requisito fazer uma ponderação de interesses que, “não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão” formulada ou a formular no processo principal ou “a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito”, 120.º/1, b). Já quando esteja em causa a adoção de uma providencia antecipatória, o preenchimento do requisito exige que “seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente, 120.º/1, c). o critério relativo ao fomus boni iuris encontra-se consagrado na vertente negativa relativamente Às providencias conservatórias e na sua vertente positiva quanto às antecipatórias.
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